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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Os donos da comida: os barões dos grãos




     Havia um tempo em que todos falavam nas 7 irmãs do petróleo com temor e reverência. Quem fazia política energética sabia que não adiantava pensar em estratégia para o setor sem levar o conta o interesse dessas multinacionais que controlavam extração e distribuição do produto. Quem ousasse planejar uma alternativa que  não fosse do interesse de uma destas gigantes como Exxon, Shell, Texaco etc. estava fadado a ser destituído ou ter seus planos frustrados. Meios para fazer valer seu poder havia de sobra. Hoje, porém, - passadas décadas -  após muita luta, muita reviravolta no setor, e muitos altos e baixos no mercado da commodity, o Financial Times chegou a conclusão de que quem manda no petróleo no mundo são empresas como a Petrobrás, e suas assemelhadas.
        
      Relembro a distribuição de poder na indústria petrolífera para traçar um paralelo com o comércio de grãos no mundo. Os grãos são a base do agronegócio: é o trigo para o pão, macarrão, biscoitos, é o milho e a soja que alimentam animais e se transformam em leite, queijos, manteiga, frango, bife de boi, hambúrguer presunto, linguiça, e o arroz que alimenta diretamente as pessoas, são as oleaginosas que se tranformam em óleos e margarinas. Enfim, quem controla os grãos, controla a comida no mundo. E nesse caso, o dos grãos, ao contrário do petróleo, é ainda um pequeno número de multinacionais - que poderia ser chamado de cinco irmãs - que detêm o poder.
     
      Cargill, Bunge, ADM (Archer-Daniels-Midland), Louis Dreyfus e George André Company são os nomes dessas empresas que possuem nos países produtores de grãos estruturas de secagem e recebimento. São elas que que recebem o produto e pagam ao produtor - o que se chama originação. São elas que contratam transporte até os portos, armazenam e fretam navios para chegar aos grandes mercados da Ásia e Europa. São elas que controlam o processamento de óleos, farelos, farinhas, margarinas e outros produtos base da indústria de alimentos. Enfim, como dizia uma propaganda de uma delas: "do produtor até a sua mesa".
     
      Qualquer policy maker que se arrisque a fazer políticas públicas que afete o comércio de grãos deve levar o conta o poder dessas empresas. São oligopólio e oligopsônio: podem captar todo "excedente" de preço existente entre produtor rural e consumidor. Muitas vezes sua orientação pode coincidir com interesses brasileiros: no caso da entrada da China na OMC, uma delas fez um forte trabalho para pressionar a abertura do mercado de grãos chinês ao mundo, o que beneficiou nossas exportações. Entretanto, aqui ao lado, na Argentina, uma delas sempre lutou contra qualquer tentativa de construir agregação de valor à revelia de seus interesses, e chegou a nomear e demitir ministros da fazenda!
        
      No longo prazo, talvez seja interessante à países como Brasil e Argentina ter campeões nacionais na área, como temos hoje no caso das carnes. Não que não haja empresa brasileiras no setor: poderia citar Caramurú e André Maggi como players independentes, mas que não atuam de forma completamente autônoma, e de certa forma dependem de uma dessas cinco para efetivarem seus negócios. Uma tentativa de ameaçar o domínio das cinco veio da entrante Agrenco, que amargou uma série de dificuldades, faliu e tenta desesperadamente se recuperar. Bater de frente, talvez, não seja o melhor, mas ir construindo autonomia progressiva, com certeza, favorece os interesses do país. Uma riqueza que para nós é tão grande como o petróleo não pode ficar completamente alheia às decisões nacionais.
             
         Para quem quiser saber mais sobre o assunto recomendo um clássico, dos anos 70, mas que em boa medida continua atual, sobre o assunto: Merchants of Grain, de Dan Morgan. Apesar de escrito para tentar explicar porque o governo dos EUA, nos anos 70, não conseguia fazer um embargo efetivo ao abastecimento de grãos dos países capitalistas à URSS, a obra mostrou, com riqueza de detalhes, como se formaram esses conglomerados mundiais e seu modus operandi nos mais diversos mercados. Vale a pena ler para entender. Só conhecendo o cenário onde é implantado é que se pode fazer uma avaliação de uma determinada política. E no caso dos grãos são essas grandes tradings que controlam o setor.



PS: O livro inclusive me aguçou uma curiosidade: como funcionou a COBEC - trading do Banco do Brasil para alavancar exportações brasileiras, e porque ela foi encerrada: ainda vou pesquisar mais sobre o assunto (agradeço referências - de livros e pessoas - que por acaso possam me recomendar!).