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domingo, 28 de agosto de 2011

Vestindo o boné



     O ministro da agricultura, Mendes Ribeiro, vestiu o boné do Via Campesina. Seria mais emblemático se fosse o do MST mesmo. Já se pode imaginar a reação de alguns dos líderes dos setores tradicionais do agronegócio. Deve ter sido a surpresa, a perplexidade e a reprovação dos conservadores. Como pôde o ministro que representa a chamada "grande agricultura" se juntar a tais desordeiros, pensaram eles. Afinal para boa parte do chamado "ruralismo" os sem-terra são o inimigo, são uma grande questão a ser "resolvida" como "problema de polícia", não como questão social.

Parece que o ministro está à frente de seu meio. Ele sabe que representa a agricultura e o governo brasileiro. Está consciente que o Brasil precisa superar a pobreza e a miséria. Sabe que para isso é preciso alimento acessível ao trabalhador. Daí a necessidade de agricultura competitiva em larga escala, desde lavouras mecanizadas de arroz e soja até produção de carne de suínos e aves em associação com agricultores familiares. Só com comida barata é que os ganhos salariais se traduzem em benefícios concretos. Os agricultores são aliados para o grande objetivo do país que está no artigo 3º da Constituição: "erradicar a pobreza".

Os ruralistas mais conservadores poderiam pensar: mas esses sem-terra não atrapalham o desenvolvimento da agropecuária? Afinal eles invadem terras. Mesmo sem entrar na discussão da legitimidade das ocupações, o fato é que elas vêm caindo. Alguns líderes rurais se preocupam demais com eventos que cada vez mais incomuns: no Brasil todo, são menos de 400 ocupações por ano. Aposto que houve mais roubo de tratores e de gado do que invasões. Calote de frigoríficos então, nem se fale. Mas esses conservadores estão ainda com os issues dos anos 80, se preocupam com algo que nem mais deveria estar na agenda!

Se o MST e outros movimentos sociais gostam de contestar a chamada agricultura empresarial, é porque esta é uma estratégia de desespero. Querem chamar a atenção. A reação dos representantes do agronegócio deveria ser mais propositiva, oferecer integração como fez a parmalat há alguns anos, propor auxílio, mostrar a face da responsabilidade social enquanto desmonta os mitos com comunicação social eficiente. Querer confrontar é se apequenar. Deveriam fazer como o ministro, ouvir e estender a mão ao diálogo. Aumenta a legitimidade. Fica o apelo: líderes do agronegócio vistam o boné! Ofereçam diálogo. Não compromete.      
     

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Escolhendo os vencedores?

     Uma linha de economistas afirma que fazer política industrial é escolher vencedores. Determinados setores e determinados grupos empresariais são beneficiados por meio das políticas públicas para o comércio exterior e para a produção, enquanto outros ficam para trás. A Coréia do Sul soube fazer suas escolhas e gerou grupos de porte para concorrer em diversos mercados. No fim, o benefício se distribui para toda a sociedade: desenvolvimento, empregos e impostos que geram serviços. O exemplo do agronegócio brasileiro vem da estratégia recente do BNDES que decidiu apoiar, por meio de crédito, grandes grupos nacionais produtores de carne a serem líderes mundiais deste setor. Ao invés de serem comprados, compraram empresas estrangeiras.

     No caso das políticas da produção fica claro, de antemão, quais os setores que podem ganhar ou perder com alterações nos rumos das atitudes do Estado. Desoneração e crédito direcionado têm impacto imediato sobre qualquer setor produtivo. Já no caso da política comercial - aquela que discute a abertura para exportação e importação - a coisa é mais complicada: quem perde sabe que vai perder, mas quem ganha não sabe que vai ganhar. Parece estranho, mas os setores que são competitivos, ou que estão em vias de se tornarem, não conseguem visualizar quais benefícios se espera.

      Quem analisa as mudanças do sistema de comércio mundial desde a Rodada Uruguai - que criou a OMC nos anos 90 - e seus desdobramentos no Brasil conclui que a agropecuária e os minérios brasileiros foram beneficiados pela liberalização comercial, enquanto a maior parte da indústria de transformação perdeu espaço. Seria portanto, óbvio, que naquela ocasião, o setor do agronegócio e o Ministério da Agricultura, lá nos idos dos anos 80, apoiassem posições brasileiras por mais abertura do comércio mundial.

       A realidade, porém, era diferente. Como mostra o estudo do acadêmico Rogério Farias, da UnB, publicado no livro O Brasil e o GATT (1973-1993) o ministério da agricultura do Brasil nos anos 80 era muito sensível a setores como trigo, pêssegos, leite que dependiam do fechamento do mercado ou subsídios para se manterem, enquanto que setores que se transformariam em vencedores no mercado mundial como açúcar, soja e carnes não pressionavam por abertura. Nos arquivos estudados, parece que representantes de tais setores nem imaginavam que suas exportações seriam multiplicadas e que haveria qualquer benefício. Estranho, mas o ministério da agricultura se posicionava contra a abertura.

     Hoje tudo isso são águas passadas. Entretanto, a lição que se pode extrair continua válida. Com mudanças nas políticas públicas os setores que tem algo a ganhar precisam ficar atentos para que seus interesses não sejam engolidos. Num momento de protecionismo crescente como o atual, os exportadores do agronegócio devem ficar atentos para que não sejam sacrificados. Para isso é vital conhecer bem os próprios interesses do setor, e isso, ao contrário do que parece, não é fácil. É preciso ser especialista no assunto.

     

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Quem orienta o produtor rural?




     O agricultor sabe como vencer desafios. Toda safra ele mobiliza recursos para plantar, mantem seu maquinário preparado, compra insumos, lida com as pragas, contrata funcionários, escapa das secas e geadas, negocia a venda da safra e paga o banco. Seria demais esperar que ele fosse o maior especialista em tecnologia agropecuária e conseguisse se inteirar de todas as inovações que lhe são úteis. Por isso, há décadas, além da pesquisa agropecuária, os governos estruturam sistemas de extensão e assistência técnica rural para digerir os avanços da ciência e entregar orientação agronômica para o homem do campo.
     
     No Brasil um marco no assunto foi a criação de uma empresa nacional para assistência e extensão rural, a EMBRATER, em 1974. Era a formuladora da política de extensão e coordenava o trabalho de institutos estaduais. À Embrapa cabia gerar conhecimento, à EMBRATER difundi-lo. Mas veio Collor, e com seu desmonte do estrutura de governo nos anos 90, a extinguiu. Não era reconhecida pela excelência, mas em seu lugar ficou um vazio e cada Estado teve que se virar sozinho. Por isso, quando se idealizou o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário), foi dada a ele a missão de elaborar a política nacional de assistência técnica e extensão rural, ademais de orientar e coordenar os serviços estaduais.

     Assim, com a promulgação da nova lei de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), em 2010, aparentemente o problema estaria bem encaminhado, com as estruturas básicas da extensão rural bem definidas. Afinal, junto com o Pronaf para financiar o pequeno produtor, a coordenação do MDA com as ematers estaduais e por meio de contratadas como prevê a nova lei, faria chegar a extensão rural casada com os recursos. No entanto, o que aparentava unanimidade, apresenta divergências: parlamentares ligados a agenda agropecuária e seguimentos da sociedade - como a associação dos técnicos da área - insistem na recriação da EMBRATER, e na prestação de serviço de extensão diretamente pelo governo federal.

     Há outros aspectos polêmicos no novo modelo, como a contratação de entidades executoras sem a necessidade de licitação. Isso para não falar na dificuldade que será medir a eficiência e eficácia do serviço prestado por terceiros, dificuldade, em geral, negligenciada por quem cria política pública em qualquer área. Indicadores são difíceis de serem levantados e impõem custos em sua apuração. Quem delega tem que fiscalizar. Talvez fosse interessante um projeto-piloto por meio de vouchers (vales) para que agricultores pudessem adquirir o serviço de quem mais lhe agradasse, para testar a viabilidade de um método com menor necessidade de acompanhamento, afinal a chave do sucesso de uma política de sucesso como o bolsa-família está em sua simplicidade. 

      Se para alguns parece que o debate da assistência técnica e extensão rural está resolvido, para outra parcela da sociedade não faltarão ajustes a serem propostos, novas alternativas a serem testadas e velhas fórmulas a serem resgatadas. Até este momento, por exemplo, não se incluiu a agricultura empresarial no debate. É um debate localizado, meio distante da opinião pública - que está centrada nos grandes centros urbanos - e discutido quase só por beneficiados e extensionistas. Porém, está longe de ser uma discussão monótona. É um debate que está voltando com força e promete esquentar. Vamos acompanhar de perto.