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quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Código Florestal: a polêmica revisão

    

    
    
     A revisão do Código Florestal brasileiro está dando o que falar. As disposições sobre reserva legal e área de preservação permanente (APP) que obrigam agricultores a não cultivarem parte de suas terras estão prestes a sofrer alterações. O objetivo inicial da reserva que era a conservação de madeira, há décadas passou a ser ambiental, especialmente para conservação da biodiversidade. As áreas de preservação visam proteger os recursos hídricos e evitar erosão.
  
     O debate está polarizado. Os deputados sensíveis às questões da agricultura querem flexibilização. Esperam poder incluir as áreas de preservação permanente na contagem da reserva legal. Afinal a reserva é calculada como percentual da área total (de 20 a 80%), enquanto que as APPs são entornos dos rios, lagos e encostas. Em regiões com relevo irregular estas últimas ultrapassam em muito os 20%, e acabam inviabilizando a produção agrícola.
  
     Os parlamentares contrários à flexibilização argumentam que as mudanças vão permitir a destruição de ecossistemas sensíveis. Alegam que o meio-ambiente é um tema transversal e que os agricultores devem colaborar com a preservação da diversidade. Os agricultores, porém, não concordam em ceder parte de suas terras e não ganhar nada em troca. São obrigados a cumprir o papel que caberia prioriatariamente ao Estado, o de definir e manter unidades de conservação. Seria uma multifuncionalidade distorcida, e portanto mereceria uma flexibilidade maior.
  
    Um ponto não bem elucidado no debate é que a boa parte das áreas que a lei prevê como reservas já estão desmatadas. O próprio Estado incentivou sua derrubada no passado, concendendo crédito e estimulando seu cultivo. Hoje teriam de ser repostas. Com a tal flexibilização não seriam desmatadas novas áreas. O ritmo e forma de recomposição seriam diferenciados, de acordo com as possibilidades. O máximo que conseguiria uma proposta radical seria a de colocar os agricultores na profunda ilegalidade e não o de fazer aparecer novas áreas preservadas.
  
     Parece que alguns parlamentares da base governista já estão se dando conta da realidade. O deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), por exemplo, ligado a movimentos sociais, já compreendeu a importância da agricultura para a geração de emprego e renda. Entende que as reservas são importantes, mas que não se pode matar a galinha dos ovos de ouro do país, portanto defende uma negociação mais consensuada. A exemplo do deputado Antônio Palocci (PT-SP) é sensível às pecualiaridades dos agricultores. A comissão escolhida, no entanto, parece um pouco mais polarizada. Uma das exceções é o deputado Mendes Thame (PSDB-SP), ambientalista com conhecimento das necessidades da agricultura. Talvez possa costurar um bom acordo.
  
      Qualquer que seja a revisão proposta, uma necessidade virá à tona ao final do processo: a de políticas públicas mais específicas para a recomposição das áreas em situação irregular. De nada vai adiantar cortar o crédito de quem não tem a reserva. Será necessário maior envolvimento das agências governamentais, de todas as esferas, em suprir o agricultor de informação, de mudas, de assessoria, e de crédito para a reposição florestal. Será a hora de o Ministério do Meio Ambiente ser mais propositivo e conciliador e auxiliar os órgãos de fomento a desenhar programas que tragam resultados concretos. A biodiversidade vai agradecer.

  

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Agronegócio: a atualidade de Roberto Rodrigues

    
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   Os estudos de economia e geografia, até os anos 50, tinham uma obcessão em dividir a atividade ecônomica entre os setores primário, secundário e terciário, como se fossem áreas fechadas em si mesmas. Em 1957 os pesquisadores de Harvard Ray Goldberg e John Davis decidiram utilizar uma novo método de análise. Criaram o conceito de agribusiness ou agronegócio. Em vez de estudarem a agricultura como um fenômeno isolado, como se esta não dependesse de outros ramos, estudaram o conjunto de uma cadeia agroindustrial.
  
    Um agribusiness é a soma das operações de produção e distribuição agrícola, seus insumos e o processamento dos produtos originados em sua cadeia. Por exemplo, no agronegócio do frango estão englobados os produtores de ração, os de milho, os distribuidores, os produtores de equipamentos para granjas, as empresas de transporte, as fábricas de embalagens, as indústrias de abate e comercialização, o granjeiro, as fábricas de vacina e medicamentos, os exportadores e assim por diante. Os trabalhos do Pensa da USP explicam bem essa visão global do setor.
  
    O Professor Roberto Rodrigues sempre enfatizou em suas aulas a importância de se pensar em termos de agronegócio. Ensinava que não devíamos ser bitolados em entender somente o que ocorre dentro da porteira, mas deveríamos entender suas conexões com os fornecedores e com os compradores. Ele tinha razão ao dizer que uma cadeia é tão forte quanto seu elo mais fraco. E todos são interdependentes. A crise dos citrus comprova essa tese. A indústria do suco usou seu poder oligopsonista contra o citricultor até que área plantada se reduzisse e houvesse menos laranja para moer. Foi um tiro no pé!
  
    Alguns setores importantes da sociedade não entenderam bem o conceito de agronegócio. Em vez de estudarem o que conceitou Goldberg, resolveram inventar aleatoriamente um novo significado. Líderes do MST alegam que agronegócio é somente a agricultura empresarial, insistindo que a familiar não faz parte dele. Puro engano. A agricultura familiar mais competitiva do Brasil, como a que produz frango, suíno, leite e fumo está profundamente integrada em seus respectivos agronegócios. Não estão isoladas, estão conectadas em uma extensa e complexa cadeia.
  
    O que Rodrigues pregou na Abag e no MAPA é que as políticas públicas para a agricultura devem ser pensadas levando-se em conta as peculiaridades de um determinado agronegócio. Como homem do cooperativismo sabia que a organização da produção é fundamental para conseguir poder de barganha, mas que ao final das contas os atores de uma cadeia agroindustrial devem estar sempre com os canais de negociação abertos aos demais atores. Foi por isso que as câmaras setoriais ganharam tanto destaque em sua gestão como ministro. A construção de políticas com a participação do setor produtivo se tornou a regra, o que obviamente não dispensa a regulação do Estado.
  
    Assistir ao esforço conjunto empreendido recentemente pelo MDIC, MAPA e BNDES para salvar os frigoríficos durante a crise mundial é ver o conceito de agronegócio em ação. O BNDES não atuou de forma passiva, mas entendendo o agronegócio, deu seu apoio pedindo em contrapartida a adoção de práticas sustentáveis e de rastreabilidade. Se a cadeia se partisse, com certeza a situação do pecuarista, do supermercados, do consumidor de carne, do fabricante de sal proteinado ficaria muito pior. Haveria crise de confiança e o Brasil perderia anos de esforços que lutou para conseguir o acesso aos mercados. Quem entende o conceito de agribusiness, como o Ministro Rodrigues entendia, sabe a sua importância. Política públicas inteligentes para agricultura não dispensam a compreensão do que é agronegócio.