A revisão do Código Florestal brasileiro está dando o que falar. As disposições sobre reserva legal e área de preservação permanente (APP) que obrigam agricultores a não cultivarem parte de suas terras estão prestes a sofrer alterações. O objetivo inicial da reserva que era a conservação de madeira, há décadas passou a ser ambiental, especialmente para conservação da biodiversidade. As áreas de preservação visam proteger os recursos hídricos e evitar erosão.
O debate está polarizado. Os deputados sensíveis às questões da agricultura querem flexibilização. Esperam poder incluir as áreas de preservação permanente na contagem da reserva legal. Afinal a reserva é calculada como percentual da área total (de 20 a 80%), enquanto que as APPs são entornos dos rios, lagos e encostas. Em regiões com relevo irregular estas últimas ultrapassam em muito os 20%, e acabam inviabilizando a produção agrícola.
Os parlamentares contrários à flexibilização argumentam que as mudanças vão permitir a destruição de ecossistemas sensíveis. Alegam que o meio-ambiente é um tema transversal e que os agricultores devem colaborar com a preservação da diversidade. Os agricultores, porém, não concordam em ceder parte de suas terras e não ganhar nada em troca. São obrigados a cumprir o papel que caberia prioriatariamente ao Estado, o de definir e manter unidades de conservação. Seria uma multifuncionalidade distorcida, e portanto mereceria uma flexibilidade maior.
Um ponto não bem elucidado no debate é que a boa parte das áreas que a lei prevê como reservas já estão desmatadas. O próprio Estado incentivou sua derrubada no passado, concendendo crédito e estimulando seu cultivo. Hoje teriam de ser repostas. Com a tal flexibilização não seriam desmatadas novas áreas. O ritmo e forma de recomposição seriam diferenciados, de acordo com as possibilidades. O máximo que conseguiria uma proposta radical seria a de colocar os agricultores na profunda ilegalidade e não o de fazer aparecer novas áreas preservadas.
Parece que alguns parlamentares da base governista já estão se dando conta da realidade. O deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), por exemplo, ligado a movimentos sociais, já compreendeu a importância da agricultura para a geração de emprego e renda. Entende que as reservas são importantes, mas que não se pode matar a galinha dos ovos de ouro do país, portanto defende uma negociação mais consensuada. A exemplo do deputado Antônio Palocci (PT-SP) é sensível às pecualiaridades dos agricultores. A comissão escolhida, no entanto, parece um pouco mais polarizada. Uma das exceções é o deputado Mendes Thame (PSDB-SP), ambientalista com conhecimento das necessidades da agricultura. Talvez possa costurar um bom acordo.
Qualquer que seja a revisão proposta, uma necessidade virá à tona ao final do processo: a de políticas públicas mais específicas para a recomposição das áreas em situação irregular. De nada vai adiantar cortar o crédito de quem não tem a reserva. Será necessário maior envolvimento das agências governamentais, de todas as esferas, em suprir o agricultor de informação, de mudas, de assessoria, e de crédito para a reposição florestal. Será a hora de o Ministério do Meio Ambiente ser mais propositivo e conciliador e auxiliar os órgãos de fomento a desenhar programas que tragam resultados concretos. A biodiversidade vai agradecer.