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sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Crédito Rural: uma longa transição

  
           

Agricultura é uma atividade de baixa rentabilidade. Não quer dizer que não possa ser um bom negócio, mas para se tocar uma safra se emprega muito mais recursos do que normalmente o agricultor tem disponível e com liquidez. O segredo está na escala. Neste contexto o modelo de modernização adotado no Brasil, responsável pelo sucesso na produção e exportação, é um grande demandante de crédito seja na forma de custeio seja na forma de apoio aos investimentos de longo prazo. Ou seja, crédito rural é um tema chave para o desenvolvimento agropecuário do Brasil. Neste momento estamos no meio para o final de uma longa transição.
           
            O sistema que está em transformação teve seu início junto com o governo militar pós-64. Foi um dos temas tratados pelas reformas econômicas de Roberto Campos e Octávio Bulhões. Embora aqueles economistas tivessem grande simpatia por regimes amigáveis ao capital privado e defendessem idéiais liberais, como tecnocratas responsáveis sabiam a conjuntura que enfretavam: poucos recursos oriundos de capitalistas que se dispunham a emprestar para agricultores. O governo não intervir seria incompatível com o projeto de Brasil que os militares iriam desenvolver, especialmente após a decisão de transformar o país em “potência” e aumentar sua autonomia. E como sabemos nos anos 70 a ordem era alavancar a modernização e o avanço das fronteiras agrícolas.

Embora tenha apresentado resultados vistosos como a conquista do cerrado e a multiplicação da produção, o sistema demandava muitos recursos. Já no início dos anos 80, com o prenúncio da crise fiscal que se avizinhava, o Estado passou a ter problemas em encontrar fundos para a manutenção deste modelo. Ademais, um arcabouço tão centrado no Estado deu espaço a demandas clientelistas e a disseminação de fraudes sistêmicas, numa corrida para a apropriação dos recursos federais, levando a escândalos como o caso da mandioca e as falcatruas contra o seguro do Proagro. O modelo agonizava junto com a débaclê do Estado brasileiro dos anos 80.   

No bojo das reformas neoliberais dos anos 90 havia uma clara decisão de que o governo não seria mais capaz de financiar a agricultura como fora outrora. Numa conjuntura de abertura econômica e competição, se desejava maior participação de capitais privados no crédito rural. Não foi o enterro do modelo anterior, mas sobre suas bases começava uma mudança significativa, e a principal estrela que nascia era a CPR (Cédula do Produto Rural), cujo fundamento era a segurança jurídica para o emprestador. Iniciou-se o debate para enterrar o seguro estatal Proagro e se criar um novo modelo, com apoio governamental, mas com responsabilidades para as seguradoras privadas. O Banco do Brasil continou sendo o principal agente na ponta do sistema, mas agora além do custeio tradicional oferecia emissão de CPR como forma de complementar no mercado de capitais o restante dos recursos necessários ao produtor.

Os anos 90 foram verdadeiramente complexos. A âncora verde, ou seja, o repasse de ganhos de produtividade dos agricultores para os consumidores no ambiente do plano real, e a disparidade de reajustes das dívidas por conta dos planos heterodoxos dos anos 80, somada a alta de juros levada a cabo pelas equipes econômicas conservadoras levou a uma explosão no acumulo de dívidas. Se o governo da época era cioso de se livrar de “esqueletos” acabou criando um dos maiores que já existiu: a dívida do crédito rural. Ao mesmo tempo, começava a se estruturar um modelo alternativo voltado aos pequenos agricultores que tinham dificuldades em conseguir recursos nos bancos: o PRONAF.

O cenário atual é o de avanço das reformas, inclusive do sistema de armazenagem de grãos e custódia, para que haja garantias jurídicas aos emprestadores. O seguro rural começa a deslanchar com subsídios direcionados, o que dá garantias ao crédito. A participação de capitais vai crescendo, e o governo começa a ensaiar diminuir o percentual dos depósitos a vista que os bancos são obrigados a direcionar ao crédito rural. Os programas de ressecuritização de dívidas, mesmo com amargor dos produtores, vai solucionando a questão das dívidas impagáveis. O PRONAF se consolidou como política pública de Estado, não havendo questionamento de seu papel. Os investimentos privados fluem para financiar a agropecuária brasileira, e participar dos lucros. A transição vai se complentando, de forma lenta, gradual e segura - principalmente segura. Em breve precisaremos de um reforma das leis e decretos já desgastados. O modelo já é outro, o arcabouço ainda não.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Eleições e as demandas da agricultura





         É na época das eleições que os políticos ficam mais abertos às demandas dos eleitores e dos colaboradores de suas campanhas. Nada mais natural. Assim, os segmentos organizados da sociedade buscam apoio para suas propostas, tentando emplacar as agendas de seu setor, numa competição pela atenção dos candidatos a cargos públicos. Num ambiente assim é muito fácil ser ouvido, mas difícil ser verdadeiramente escutado e mais ainda ser lembrado após as eleições sobre as ações pactuadas.

      O agronegócio brasileiro historicamente não conta com uma interlocução organizada e representativa junto aos governos.  Ao contrário da indústria que se estruturou na FIESP e na CNI conseguindo influenciar as decisões de Estado, a agricultura montava coalizões ad-hoc em tempos de crise sem uma interlocução de agenda na implementação de suas políticas. A suposta força da bancada ruralista é muito mais um mito do que a realidade comprovável da obediência partidária. Não há dúvidas que os avanços da Confederação Nacional da Agricultura - CNA conseguiram dar a ela maior legitimidade. Entretanto ainda há temores de uso eleitoral de suas estruturas, ademais de representar tão somente o setor primário da cadeia do agronegócio, conseguindo respeitável expressão de bases regionais mas pouca força no lobby profissional.

           A criação da Associação Brasileira de Agribusiness - ABAG, por outro lado, foi uma significativa mudança para o setor. Além de representar os interesses dos agricultores e pecuaristas, busca integrar toda os demais participantes do agronegócio, sejam eles atuantes antes da porteira ou após a porteira. As demandas da ABAG são, portanto, mais sintéticas e de maior peso. E justamente um dos segredos da atuação de representação dos interesses antes das eleições é poder apresentar uma agenda que tenha um espectro de abrangência ampla, que sensibilize os candidatos.

       Numa notável evolução a ABAG apresentou este ano uma proposta de agenda aos presidenciáveis, de qualidade indiscutível. Devidamente estruturada, com coerência interna, e elencada em temas que abrangem grande leque de beneficiários, foca em: garantia de renda, infraestrutura e logística, comércio exterior, inovação, defesa agropecuária e institucionalidade do poder público. Em cada um desses eixos se explicitou as ações prioritárias com proposta de metas e com formas de atingi-las. Fugiu ao tradicional pork-barrel de demandas paroquialistas que manchou as demandas dos representantes da agricultura por décadas. Explicitou os benefícios que serão entregues a sociedade como um todo, caso as propostas sejam implementadas. Uma aula de representação de interesses.

         Obviamente a proposta pode ainda ser aperfeiçoada. Sua profunda densidade pode compremeter o entendimento de todos os seus pontos imediatamente, sendo um pouco mais extenso do que poderia se esperar de um documento pré-eleitoral. De qualquer forma é uma avanço considerável que recomendo leitura (clique aqui). Estas proposições são um passo fundamental no sentido de melhorar a comunicação do agronegócio com a sociedade. É uma necessidade urgente de um setor que contribui para o desenvolvimento do país, gerando emprego, renda e divisas e transbordando demanda para outros setores como transportes, máquinas, serviços, indústria química etc. 

         Quando eu morava na Holanda, as estufas que produziam legumes, frutas e flores organizavam um dia por ano de visitas onde a sociedade podia conhecer melhor como funciona a produção agrícola do país, entrando e vendo com seus próprios olhos. Lá se falava do respeito ao meio-ambiente (e na Europa não existe nem reserva legal e nem Área de Preservação Permanente como temos aqui) e da responsabilidade social como um todo. O Brasil está encontrando sua agenda para comunicar melhor as realizações e demandas do agronegócio. Não só a ABAG, mas também outras instituições de representatividade como ABIOVE e APROSOJA que estão tendo sucesso na empreitada de comunicação ao grande público. Tal processo só pode contribuir para o aperfeiçoamento da elaboração e implementação das políticas públicas para o agronegócio, gerando benefícios para toda a sociedade. A clareza e a transparência só somam para o avanço.