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sexta-feira, 19 de março de 2010

Genéricos na agricultura: quem poderia ser contra?

 



            As lavouras que alimentam a população brasileira e garantem nossos dólares nas exportações têm 5 componentes principais de custo: fertilizantes, terra, máquinas, mão-de-obra e defensivos. Estes últimos, também chamados de agrotóxicos, são produtos de alto valor agregado. Custam muito caro, embora seu retorno seja atestado pelos produtores, que quando investem nessa tecnologia de controle químico de doenças e pragas costumam ter resultados positivos, com safras maiores.

            Mas como são inventados esses fungicidas, herbicidas e inseticidas? Antes da produção em escala, há grandes investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Hoje, poucas empresas no mundo têm recursos e escala para criar novas moléculas. A maioria delas é européia, algumas americanas e japonesas. Syngenta, Bayer, Basf, Dow, Monsanto e Du Pont são os conglomerados que em laboratórios na Suíça ou Alemanha sintetizam princípios e testam em plântulas e em insetos para descobrir seu potencial. Uma vez identificado, trabalham em testes em campo ao redor do mundo, nas estações experimentais dessas empresas. No Brasil, essas estações estão perto de Campinas, SP, na região de Artur Nogueira e Holambra.

            Entretanto, empresas só fazem investimentos com perspectiva de retorno. A garantia está na patente do produto que boa parte dos países do mundo concede, por tempo limitado a essas inovações. Uma vez vencida a patente, outras empresas que conseguirem sintetizar o defensivo, poderão vendê-lo. No Brasil, empresas de genéricos como a Milênia, ou aquelas filiadas à AENDA entram no mercado. E com a concorrência, os preços desabam. Ganha o produtor, ganha a competitividade do nosso agronegócio. Perdem as empresas que dependiam da patente. E é aí que começa a ser configurada uma Coalizão de Defesa (Advocacy Coalition Framework – ACF) para barrar os defensivos genéricos.

            Defensivos de patente livre (genéricos) costumam ser antigos. Muitos possuem maior potencial de impacto ambiental do que as moléculas mais novas. Não é regra, mas costuma acontecer. Nesse ponto é que as entidades ambientalistas e a burocracia do licenciamento ambiental entram em cena, pretendendo que não se renove as autorizações de uso de produtos mais antigos, que são justamente os que podem ser genéricos. Ao mesmo tempo, como as grandes companhias químicas não querem concorrentes para seus produtos novos (patenteados), que possuem preços até 10 vezes maior que os genéricos, elas passam a pressionar nos bastidores para que os produtos que antes elas produziam sejam banidos. Antes produziam relatórios científicos mostrando a segurança do produto, quando perdem a patente aparecem estudos sobre possíveis efeitos colaterais.

            Nesse sentido alguns fóruns estão sendo escolhidos pela Coalização de Defesa contra os defensivos genéricos para sua atuação. No Brasil, ANVISA e Ministério do Meio Ambiente, que precisam dar anuência a esses produtos, são pressionados a cassarem as autorizações dos genéricos. Já a nível mundial, as convenções de Rotterdam e de Estocolmo sobre produtos químicos é o local no qual se tenta proibir a globalmente os agrotóxicos de patente livre. Empresas químicas em países emergentes como Índia e China, e mesmo no Brasil que se tornaram competentes em produzir tais produtos são ameaçadas pela proibição de seu comércio. Por outro lado, as grandes empresas européias se sentem protegidas, pois já não são mais competitivas e esperam ansiosas que a proibição lhes garanta mercado para os modernos produtos patenteados que custarão muito mais.

            No meio dessa atuação uma preocupação se torna relevante: como fica o agricultor do Brasil? Como fica a competitividade do nosso agronegócio? Se o banimento dos produtos de patente livre for avançando no ritmo em que está, boa parte da riqueza gerada pela nossa lavoura será cada vez mais apropriada pelos royalties enviados às grandes multinacionais que produzem os tais defensivos de nova geração, caros e patenteados. Quem ganha com isso? O debate é necessário.

domingo, 14 de março de 2010

De hedgers a especuladores: como quebrar uma empresa





     A Sadia praticamente quebrou. Só não foi a falência de fato por conta dos ajustes de emergência para conseguir fôlego até a fusão com a Perdigão. Fusão, nesse caso, foi um nome elegante para a compra da empresa pela rival. Mas como a tradicional empresa de Concórdia, em Santa Catarina, outrora poderosa e estável, entrou numa situação dessas? Porque o legado do empresário Attilio Fontana quase esfacelou da noite para o dia? Podemos resumir em duas palavras: especulação financeira. 

     Como muitas empresas e empresários do setor produtivo, a Sadia diante de instabilidades de câmbio, de preços de matérias primas e dos produtos finais buscou proteção, ou hedge - em linguagem técnica -, nos mercados futuros e de opções. Nesses mercados de derivativos é possível de antemão travar um preço que se considere adequado, para evitar oscilações futuras que possam causar prejuízos graves. No caso do câmbio se os custos de uma empresa exportadora são em reais, e seu produto será vendido em dólar, ela pode fixar o câmbio futuro que se prevê num dia. Se o real se fortalecer, ela não perde, e se enfraquecer ela deixa de ganhar essa diferença. É como se fosse um seguro de preço.

     Acontece que, quem entra no mercado futuro para se proteger de oscilações, ou seja, como hedger, quando passa a conhecer o mercado a fundo se sente tentado a ser um especulador - aquele que aposta e não tem produto para garantir as operações, e busca lucrar com seu feeling ou conhecimento dos fundamentos do mercado. Esse foi o caso dos executivos financeiros da Sadia... para quem se interessa pelo caso recomendo a leitura da reportagem Setembro Negro, da edição 38, da Revista Piaui. Produzida com o esmero costumeiro daquela publicação, elucida numa narrativa empolgante a trágica situação da empresa em seus dias de agonia.

     Embora tenha citado o caso da Sadia, poderia enumerar uma série de outros eventos na mesma linha. Começa na busca de proteção ao risco e termina com a busca de ganho financeiro via aumento da exposição ao risco Quando estava na graduação, ouviamos falar muito no caso em que executivos da Coopersucar - na época grande exportadora de açúcar de suas cooperadas -, empolgados com o sucesso do uso de mercados futuros para se proteger das oscilações da commodity, resolveram então fazer caixa lançando opções. Como o mercado estava em baixa, lançaram em valores altos, acreditando que nunca seriam exercidas, e que os recursos angariados seriam recursos ganhos. Como o mercado mudou antes do exercício, e os preços dispararam, o prejuízo da cooperativa foi grande. 

    Mais de perto, tive a experiência num breve estágio, proporcionado pelo ilustre Prof. Pedro Marques da ESALQ, em uma corretora de valores em São Paulo. No atendimento da mesa de derivativos agrícolas havia clientes que sendo pecuaristas ou cafeicultores entraram para o mercado em busca de proteção... com o tempo e com o sucesso de suas tacadas foram cada vez mais fazendo operações de especulação. Ora, se busco me proteger e acerto o movimento do mercado, porque não usar esse conhecimento e ganhar dinheiro fácil, pensam eles. Como a corretora e os corretores ganham comissão não é de se esperar que eles busquem orientar sobre os possíveis riscos.

     Ao contrário do senso comum, especuladores são importantes para o mercado. Como assumem riscos em busca de lucros, dão liquidez ao mercado. E quem busca proteção - o hedger - uma vez com o preço travado não precisaria se o preocupar. O problema está quando o hedger, o produtor rural ou empresa do setor produtivo passa de hedger a especulador sem se dar conta que está trocando de lado. Assume um risco que não tem consciência. Para um produtor individual de café ou de boi, pode ser fatal, levando suas finanças à desgraça, mas ainda assim seria um opção individual. Já no caso de empresas de capital aberto e cooperativa, é o futuro dos acionistas, do integrados e cooperados que está em jogo.

      O final do caso Sadia embora traumático - por causa do brio corporativo - para seus empregados, poderia ter sido realmente trágico. Felizmente, a criação da Brasil Foods não criou grandes prejuízos a integrados e trabalhadores. Nesses tempos de revisão da confiança cega na auto-regulação fica a lição da importância do papel da supervisão da CVM e dos conselhos da empresas e das cooperativas como órgãos de governança. Executivos maximizam seus lucros, são rent-seekers, cabe então aos demais stakeholders - especialmente acionistas - e ao Estado supervisionar que para o risco das operações de uma corporação seja mantido dentro do aceitável. Caso contrário, o agronegócio brasileiro pode ter ainda uma estória como a da Enron para contar...