A Sadia praticamente quebrou. Só não foi a falência de fato por conta dos ajustes de emergência para conseguir fôlego até a fusão com a Perdigão. Fusão, nesse caso, foi um nome elegante para a compra da empresa pela rival. Mas como a tradicional empresa de Concórdia, em Santa Catarina, outrora poderosa e estável, entrou numa situação dessas? Porque o legado do empresário Attilio Fontana quase esfacelou da noite para o dia? Podemos resumir em duas palavras: especulação financeira.
Como muitas empresas e empresários do setor produtivo, a Sadia diante de instabilidades de câmbio, de preços de matérias primas e dos produtos finais buscou proteção, ou hedge - em linguagem técnica -, nos mercados futuros e de opções. Nesses mercados de derivativos é possível de antemão travar um preço que se considere adequado, para evitar oscilações futuras que possam causar prejuízos graves. No caso do câmbio se os custos de uma empresa exportadora são em reais, e seu produto será vendido em dólar, ela pode fixar o câmbio futuro que se prevê num dia. Se o real se fortalecer, ela não perde, e se enfraquecer ela deixa de ganhar essa diferença. É como se fosse um seguro de preço.
Acontece que, quem entra no mercado futuro para se proteger de oscilações, ou seja, como hedger, quando passa a conhecer o mercado a fundo se sente tentado a ser um especulador - aquele que aposta e não tem produto para garantir as operações, e busca lucrar com seu feeling ou conhecimento dos fundamentos do mercado. Esse foi o caso dos executivos financeiros da Sadia... para quem se interessa pelo caso recomendo a leitura da reportagem Setembro Negro, da edição 38, da Revista Piaui. Produzida com o esmero costumeiro daquela publicação, elucida numa narrativa empolgante a trágica situação da empresa em seus dias de agonia.
Embora tenha citado o caso da Sadia, poderia enumerar uma série de outros eventos na mesma linha. Começa na busca de proteção ao risco e termina com a busca de ganho financeiro via aumento da exposição ao risco Quando estava na graduação, ouviamos falar muito no caso em que executivos da Coopersucar - na época grande exportadora de açúcar de suas cooperadas -, empolgados com o sucesso do uso de mercados futuros para se proteger das oscilações da commodity, resolveram então fazer caixa lançando opções. Como o mercado estava em baixa, lançaram em valores altos, acreditando que nunca seriam exercidas, e que os recursos angariados seriam recursos ganhos. Como o mercado mudou antes do exercício, e os preços dispararam, o prejuízo da cooperativa foi grande.
Mais de perto, tive a experiência num breve estágio, proporcionado pelo ilustre Prof. Pedro Marques da ESALQ, em uma corretora de valores em São Paulo. No atendimento da mesa de derivativos agrícolas havia clientes que sendo pecuaristas ou cafeicultores entraram para o mercado em busca de proteção... com o tempo e com o sucesso de suas tacadas foram cada vez mais fazendo operações de especulação. Ora, se busco me proteger e acerto o movimento do mercado, porque não usar esse conhecimento e ganhar dinheiro fácil, pensam eles. Como a corretora e os corretores ganham comissão não é de se esperar que eles busquem orientar sobre os possíveis riscos.
Ao contrário do senso comum, especuladores são importantes para o mercado. Como assumem riscos em busca de lucros, dão liquidez ao mercado. E quem busca proteção - o hedger - uma vez com o preço travado não precisaria se o preocupar. O problema está quando o hedger, o produtor rural ou empresa do setor produtivo passa de hedger a especulador sem se dar conta que está trocando de lado. Assume um risco que não tem consciência. Para um produtor individual de café ou de boi, pode ser fatal, levando suas finanças à desgraça, mas ainda assim seria um opção individual. Já no caso de empresas de capital aberto e cooperativa, é o futuro dos acionistas, do integrados e cooperados que está em jogo.
O final do caso Sadia embora traumático - por causa do brio corporativo - para seus empregados, poderia ter sido realmente trágico. Felizmente, a criação da Brasil Foods não criou grandes prejuízos a integrados e trabalhadores. Nesses tempos de revisão da confiança cega na auto-regulação fica a lição da importância do papel da supervisão da CVM e dos conselhos da empresas e das cooperativas como órgãos de governança. Executivos maximizam seus lucros, são rent-seekers, cabe então aos demais stakeholders - especialmente acionistas - e ao Estado supervisionar que para o risco das operações de uma corporação seja mantido dentro do aceitável. Caso contrário, o agronegócio brasileiro pode ter ainda uma estória como a da Enron para contar...
Não consigo confiar no estado para essa função é preferível que os interessados mais diretos os acionistas fiquem mais atentos ao board da cia...claro que a sedução imediatista dos dividendos atrapalha um tanto ...
ResponderExcluirNem é questão de ideologia minha desconfiança do governo é prática... bom texto didático até para quem é iniciado.
Não consigo confiar no mercado se auto-regulando. Os acionistas vão coçar as mãos com as possibilidades de mairoes dividendos. Logo, cabe sim ao Estado fazer o seu papel de regulador, pois esta em jogo, no caso de empresas do setor agricola, não apenas os lucros dos acionistas e donos das empresas e dos empregos de seus funcinários, mas toda a cadeia produtiva que interfere em vários outros setores da economia. Afinal segurnaça-alimentar é ou não pe questão de Estadao. Se não fosse, por que tantso países insitem em subsidiar suas produções agricolas?
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