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sábado, 27 de outubro de 2012

O produtor rural e a recomposição florestal: custo ou oportunidade?




Recomposição florestal custa. E não é barato. Na recente discussão do novo código florestal, um estudioso alertou que se debatia muito o tamanho da fatura e pouco como pagá-la. Ou seja, o produtor que estiver “devendo” floresta vai precisar repor a vegetação semelhante à nativa, e isso tem um preço. Neste momento, no qual haverá a procura por adequação às exigências do código, é importante saber que existem várias formas de se cumprir a legislação. E cada uma dessas formas pode ter um resultado melhor ou pior para o próprio agricultor.
  
Em primeiro lugar é preciso fazer um alerta: embora muitas pessoas pensem que o plantio de mudas de árvores seja a única forma de recompor uma área, isso não é verdade. Normalmente essa forma funciona bem e fica muito bonita na foto, especialmente aquelas com um grupo de pessoas sorrindo e plantando as mudinhas. Mas essa é uma das formas de maior custo. Não se planta milho e soja por muda, porque por semente custa menos. No caso da floresta é parecido: se der para fazer por semeadura e não por muda, é provável que seja mais barato.

Além disso, em algumas áreas em que a mata não foi retirada há muito tempo, e há próximo ao local uma fonte de sementes, talvez nem semear seja necessário. Em muitas situações, basta cercar a área com arame para impedir a entrada de animais, cessar o cultivo, e deixar a vegetação se recompor. O mais importante é saber que existem várias técnicas de recomposição, e que nenhuma delas se mostrou superior em todas as ocasiões. A orientação de profissional habilitado, como um bom engenheiro florestal, pode facilitar o agricultor a cumprir a essa determinação legal de forma mais eficiente a um menor custo.

Para além do custo, é importante ver a situação como oportunidade a ser explorada. Existem empreendedores que estão vivendo somente de florestas plantadas com árvores nativas para produção de madeira de alta qualidade. Como a reserva legal é para uso sustentável e não somente para fim conservacionista puro, o agricultor deve fazer um planejamento para que possa fazer bom uso da floresta e torná-la uma poupança segura para seu futuro. Parte dos custos podem ser amortizados na situação em que, agora, se permite em determinadas condições usar também arvores exóticas, como o eucalipto.
  
Assim, pode-se dizer que recomposição florestal a custos menores facilita a execução de mais áreas com vegetação semelhante à nativa. Ademais, há oportunidades de o agricultor diversificar sua fonte de renda e tornar a reserva legal uma fonte alternativa de recursos. O importante é aproveitar o momento do planejamento da recomposição florestal, para que essa, além dos benefícios à sociedade, possa trazer benefícios ao produtor rural.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Alta produtividade é suficiente na agricultura?


   Na agricultura, a produtividade é um popular indicador de sucesso. Todo mundo quer saber quanto se produz de soja, de milho, de cana, ou de qualquer outra lavoura, em quilos por hectare (Kg/ha). Mesmo em medidas semelhantes, como sacas por hectare, o intuito é o mesmo: entender o uso da terra. Se a produtividade é alta, imagina-se que o uso da terra é eficiente, e portanto, que teríamos uma "boa agricultura".    

    Dessa forma, os produtores rurais foram e continuam a ser incentivados a ter uma boa produtividade em quilos por hectare. Isso vem ocorrendo desde o pós-guerra, período em que "programas de difusão" de tecnologia foram criados pelos governos, e os agrônomos iam, em serviço de extensão, espalhando novas formas de produção. O objetivo dos governos, no entanto, era o abastecimento nas cidades, daí a importância da produtividade. Ademais, sua concepção se deu na Europa, onde há pouca terra disponível para a expandir a agricultura. Mas seria esse o caso do Brasil, o de escassez do fator terra? 

    No Brasil, durante décadas, o custo do capital (juros pagos por quem toma empréstimo) tem sido caro e o custo da terra, relativamente barato. É verdade que essa relação vem mudando com juros menores e preços das terras em alta. Mas será que pode-se dizer que para o agricultor brasileiro a falta de terra é o maior problema? Quantos agricultores não deixam de usar toda a área por não terem crédito suficiente ou máquinas suficientes? Para eles faz sentido falar em quilos por hectares (ou sacas por hectare) como seu indicador de sucesso?  

    Para o produtor rural que faz da agricultura uma atividade empresarial, a verdadeira produtividade é a de reais retornados por reais investidos, ou seja rentabilidade. Kg/ha nem sempre é seu melhor indicador. Pode ser, por exemplo, que o uso intensivo de uma colheitadeira ou a eficiência no uso de fertilizantes e defensivos sejam mais interessantes como medidores de eficiência. O importante é saber o que é escasso ou mais difícil para um determinado agricultor. De qualquer modo, a rentabilidade deve ser ponderada pelo risco esperado. É importante pensar em risco e se precaver. 

    Não é por acaso que pesquisadores que incentivam a intensificação do trigo no estados do Sul do Brasil percebem que, ao longo dos anos em que vários agricultores desistiram das safras de inverno, muitos dos que permaneceram têm "produtividades baixas" em quilos por hectare. Embora produzam menos quilos de trigo por unidade de terra, usam menos insumos, aproveitando melhor o residual da safra de soja e dessa forma são menos expostos a riscos de quebras de safra ou queda de preços.

   Fica claro, portanto, que os indicadores de produtividade - como o de produção agrícola em quilos por hectare -, que servem para os pesquisadores buscarem variedades mais intensivas e para os governos direcionarem o uso da terra, não são necessariamente os melhores para os agricultores buscarem melhores resultados de suas atividades. Podem até ser úteis, porém análises de rentabilidade, de risco, de uso alternativo e de valor presente líquido são mais eficientes e devem ser preferidas pelos agricultores e por aqueles que lhes prestam assistência como cooperativas e escritórios de planejamento.   

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Quinoa: isso ainda vai dar o que falar





Esse grão está fazendo sucesso em todo o Brasil. Não só aqui, mas no mundo todo, adeptos de dietas saudáveis estão comprando a quinoa. É um mercado que não para de crescer para um produto cujo consumo antes se restringia somente aos países andinos como Bolívia e Peru, de onde é originária. Com esse mercado garantido no Brasil, ainda importamos o produto para nos abastecer. 

Ocorre que a mesma quinoa (ou quinua) está em alta entre os adeptos da boa forma breve estará popular também entre os agricultores. Isso porque, muito antes dessa popularização, a Embrapa Cerrados – que busca alternativas de produção para os agricultores – adaptava essa planta para nosso país. E assim conseguiu ter uma variedade de alto rendimento chamada BRS Peabiru.

A quinoa pode ser encaixar como alternativa para a rotação de culturas no Brasil Central. Embora sabidamente necessária, nem sempre é praticada devido a pouca disponibilidade de espécies economicamente viáveis e que se encaixem no sistema de produção. A quinoa parece ser uma alternativa a ser explorada, principalmente por ser de uma família diferente das gramíneas e das leguminosas (na verdade um quenopodiácea, próxima do espinafre). Rotação com plantas de famílias diferentes tendem a diminuir as pragas em comum.

Seu cultivo ainda não decolou, mas mostra grande potencial. A organização da cadeia produtiva pode ser feita por alguma cooperativa que organize contratos com atacadistas do produto. Será um começo. Se der certo, o Brasil vai se tornar um grande fornecedor do produto para o mundo. A cultivar adaptada a Embrapa já tem, e o ambiente é propício. O caminho está aberto.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Revendo a modernização conservadora da agricultura




    Antes do Golpe de 64 havia uma vibrante discussão em torno da reforma agrária no Brasil. Não era um assunto só dos grandes pensadores, mas estava presente em toda a sociedade, ora como alternativa viável, ora como um fantasma que assustava os proprietários - o caso mais emblemático eram as Ligas Camponesas que ocupavam fazendas no nordeste do país. Veio o Regime Militar, junto com ele a repressão e um discurso de modernização do país. A agricultura não ficou de fora: saiu de um sistema pré-capitalista para uma forte integração com o mercado.

   Para explicar o que aconteceu na agricultura do país, estudiosos brasileiros usaram o conceito do cientista político Barrington Moore - Modernização Conservadora - , o qual fora cunhado para explicar o avanço do capitalismo em países como Alemanha e Japão, com consequências sociais distintas de países como França e Inglaterra. José Graziano, hoje presidente da FAO, foi um destes acadêmicos que demonstrou que a agricultura brasileira estava se integrando ao mercado, apropriando tecnologias avançadas ao mesmo tempo em que mantinha ou acelerava a desigualdade social, e assim tentava enterrar a reforma agrária.

   Embora tenha trazido uma explicação útil, o termo modernização conservadora na agricultura brasileira, acabou caindo na vulgaridade. Seu uso passou a ser cada vez mais para mostrar os problemas do campo.  Existem vários: êxodo rural acelerado inchando as grandes cidades, desigualdade social, dependência de insumos, aumento dos riscos para o agricultor. Só que nesse afã de tudo condenar acabou jogando o bebê junto com a água. É preciso reconhecer que a produção de alimentos aumentou muito, junto com a produtividade da agricultura, e não foi só nos bens de exportação como costuma ser dito. O Brasil é um dos países onde o trabalhador menos gasta seu salário para comprar alimentos. Os alimentos ficaram acessíveis e a oferta de proteínas de qualidade explodiu.

   Está na hora de uma revisão nas análises mais rasteiras. Focou-se muito em "conservadora" e pouco em "modernização". As duas estiveram interligadas. Se quisermos um modelo de desenvolvimento mais justo e inclusivo é preciso saber como aproveitar as vantagens que a modernização da agricultura trouxe, sem descartar seus benefícios, ao mesmo tempo em que se buscam alternativas mais justas com mudanças necessárias. Os alimentos de qualidade, a preço baixo é um benefício que o Brasil conquistou e beneficia os menos privilegiados, e sua oferta tem tudo a ver com a modernização da agricultura. A modernização foi sim muito conservadora, mas hoje é possível torná-la mais justa sem deixar de lado seu aspecto moderno.

sábado, 9 de junho de 2012

Acordos servem para o produtor rural ter melhores preços?





Farinha pouca, meu pirão primeiro. Assim diz o ditado que tenta explicar as dificuldades de se negociar divisão de ganhos. Na agricultura não é diferente: quando uma cadeia de produção tem várias etapas, cada parte quer ficar uma fatia maior do bolo. Desde o supermercado que vende o leite na prateleira, passando pela indústria que beneficia e embala, pelo produtor rural que tem as vacas, até a fábrica de ração, cada um quer ganhar um pedaço maior, deixando menos para o outro. Isso tudo num mercado onde os preços oscilam. Fica a pergunta: dá para ter alguma ordem nessa bagunça? Como ter mais clareza e estabilidade na negociação de preços na agricultura?

O CONSECANA, uma associação de plantadores de cana e donos de usina, é um dos grandes modelos para a negociação de preços. Lá reunindo quem compra e quem vende cana-de-açúcar foi criado um modelo para fixar o preço da cana com base nos preços do mercado de açúcar. Muita gente quer copiar o sistema porque parece justo. A cadeia produtiva da laranja tem tentado algo parecido, batizado como CONSECITRUS mas não há consenso entre as partes. É preciso, porém, saber que sistemas como estes não necessariamente trazem mais ganhos diretos ao produtor rural, antes são ferramentas de transparência e estabilidade que permitem certa previsibilidade e poder de negociação. E a negociação é que pode, ou não, trazer ganhos.

A grande questão que paira é se um modelo destes negociado entre as partes é possível de ser copiado para outros setores, o que daria mais transparência e previsibilidade. E a resposta tem a ver com o histórico de um setor extremamente regulado como a cana, onde o elo mais fraco, os agricultores, tinha uma cultura de organização que vem desde a época de Getúlio. Para funcionar, tem que fortalecer a capacidade de coordenação dos produtores. No caso do leite, uma das cadeias mais pulverizadas na parte da produção primária, seria difícil definir isto por acordo entre as partes.  

Pensando nessa questão, o Congresso propôs uma lei que obriga os laticínios a informarem, antes do começo do mês, o preço que pagarão pelo leite recebido do produtor rural. Parece ser uma ferramenta útil para permitir a comparação e evitar práticas desonestas. Foi aprovada, só falta a Presidenta Dilma sancionar para ver como esse arranjo se comporta em tempos de grandes oscilações, ou seja, se os compromissos serão honrados pelas partes.

Ter transparência nos preços é possível. Ajuda a dar estabilidade para as negociações e pode ser uma ferramenta útil para evitar a manipulação dos preços contra o produtor rural. Não se pode, todavia, esperar que isso salva setores que têm problemas crônicos de competitividade e que precisam se reestruturar. E mais do que tudo, para que haja sistemas como o CONSECANA, pactuado entre os dois lados, é preciso fortalecer a organização e representação dos produtores de cada uma das cadeias produtivas.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Está sobrando dinheiro para o produtor rural?





A agricultura tomou de vez o rumo da sustentabilidade. Um dos programas mais importantes da política agrícola brasileira é o ABC, que direciona crédito a taxas módicas para que o agricultor adote sistemas que mitigam o aquecimento global. Ao mesmo tempo difunde técnicas para promover plantio direto, integração lavoura-pecuária-floresta, recuperação de pastos degradados. Tudo integrado. Só tem um problema: dos R$ 3,15 bilhões disponibilizados na última safra, menos de 500 milhões foram utilizados. Se a taxa é atrativa (cerca de 5,5% ao ano) porque os negócios não deslancham?



Já foi dito que as técnicas não seriam interessantes, não trariam rentabilidade ao produtor, só serviriam aos propósitos ambientais. Todavia o programa foi concebido com a participação de especialistas da Embrapa utilizando somente sistemas de alta produtividade, boa rentabilidade e que já estivessem sendo adotados com sucesso. Plantio direto é consagrado, o que o programa busca é expandi-lo. Tratamento de resíduos animais traz retorno garantido. Mesmo a integração lavoura-pecuária-floresta, que é mais complexa, traz excelentes resultados, como mostra a Fazenda Santa Brígida, de Ipameri, em Goiás. O problema não está nas técnicas requeridas.

Outro ponto levantado é a burocracia envolvida. Sejamos sinceros: este é um programa que dá boas condições com uma contrapartida: técnicas sustentáveis. Ninguém quer pegar dinheiro no banco para ter um uso específico. Quer usar para aquilo que bem entender. Mas a sociedade só concorda em pagar um preço por aquilo que tem valor, e os juros baixos exigem contrapartida. Entretanto é fato que em algumas regiões o legado histórico de nosso sistema de terras impede que os produtores tenham titularidade de suas posses, o que emperra o crédito. O programa Terra Legal tem avançado neste ponto, mas ainda não cobre todos os casos. Sobre os demais documentos exigidos, o sistema bancário pode ter um papel mais pró-ativo em auxiliar seus clientes.  

       O cerne da questão está mesmo é na capacidade de oferecer projetos. Relembro que nos idos do ajuste fiscal profundo, em 1999, um deputado me alertou em um simpósio na universidade: “jovem, quando acabarem os ajustes, virão as grandes obras de infra-estrutura. São necessárias. Mas não se iluda: teremos problemas. Depois de tantos anos parados perdemos a capacidade de fazer projetos”. Aqui parece a mesma coisa. O programa ABC visa levar a agricultura a um novo patamar tecnológico, mas os engenheiros agrônomos que elaboram os projetos desconhecem, na maioria das vezes, tais técnicas. Perderam a capacidade de pensar técnicas, de buscar a inovação, viraram meros despachantes de financiamento. É fundamental recuperar essa função tão importante de projetar e de dar assistência técnica.

O diagnóstico está dado. Os técnicos que implementam o programa já têm clareza do problema. Estão trabalhando para resolvê-lo. Há um calendário repleto de treinamentos e capacitações. Isso nos faz lembrar o livro Implementation, de Wildavsky e Pressman, um clássico das políticas públicas, que mostrava, há décadas, o quanto é complexo fazer um programa chegar na ponta, e quantos ajustes são necessários desde a sua concepção. É o preço que se paga por ousar fazer a diferença. Por ora está sobrando dinheiro, mas se os ajustes no programa continuarem seguindo nesse bom caminho, corre-se um outro risco: faltar recursos para a quantidade de projetos que serão oferecidos num futuro próximo. Esse risco, todavia, é muito melhor para a sociedade que quer um ambiente mais equilibrado. Nesse caso vai ser melhor faltar do que sobrar.