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quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Superando as barreiras às nossas exportações










Sempre li que exportar commodities é muito fácil. Mas agora acredito que falavam daquelas que os países importadores querem comprar e dos países dos quais eles escolhem para ser fornecedores. É que comecei a trabalhar recentemente na área internacional do Ministério da Agricultura, justamente com medidas sanitárias e fitossanitárias. Planejadas para impedir a disseminação de pragas de plantas e animais e doenças que podem atingir humanos, são freqüentemente utilizadas como barreiras para impedir o comércio.


Antigamente as barreiras eram impostas e mantidas sem muita base técnica, impedindo o acesso ao mercado potencial. Por exemplo, nos anos 50 vários países do Sudeste da Ásia proibiram importações de todas as frutas do Brasil, sob a alegação de que poderia transmitir mal-das-folhas às seringueiras, cujo látex é base de boa parte das economias daquela região. Nunca havia sido feita uma avaliação mais específica, e proibição se estendeu por décadas. 


Como na OMC vinham sendo negociados acordos para redução de tarifas de importação, soou o alerta de que essas chamadas barreiras não-tarifárias poderiam ser utilizadas em larga escala, como uma forma de manter mercados fechados. Para impedir isto, ou minimizar o risco, resolveu se propor na própria OMC o acordo sobre aplicação de medidas sanitárias e fitossanitárias (Acordo SPS). Ficou consagrada ali a necessidade de embasamento científico para propor alguma medida que prejudique o comércio.


Obviamente, as medidas que impedem a entrada de novas doenças em um país não estão proibidas. Mas devem ser fundamentadas, e se houver alternativas que minimizem o impacto ao comércio, elas devem ser utilizadas. Tudo parece bem resolvido. Mas acordos, como se sabe, são disputas políticas, numa arena onde o que vale é o consenso, e nem sempre é a melhor resposta técnica. Para acessar um mercado, em geral, é necessário que um país importador faça uma análise de risco e/ou visitas de inspeção. Mas não há prazo definido para as conclusões. Ou seja, há espaço para procrastinação.


Mesmo a definição de que qualquer medida deve se basear em estudos científicos, apesar de avanço, não é nenhuma garantia. Há sempre controvérsias entre cientistas e opiniões minoritárias podem ser utilizadas para lastrear uma medida. Por isso, as negociações sanitárias e fitossanitárias envolvem habilidades específicas. Não é questão de mera técnica, embora seja crucial ter conhecimento científico. Envolve barganha, poder e pressão. É disputa para acessar mercados. 


O Brasil vem avançado nessa área. As exportações de carnes - bovina, suína e aves - continuam crescendo e novos mercados compram de nossos competitivos complexos agroindustriais. Nossos grãos continuam ganhando espaço e a cada dia novos mercados são abertos para nossas frutas. É fruto de um longo trabalho. Não só nas negociações, mas na base que conquista novas áreas livres de aftosa e impede o avanço da mosca da carambola, por exemplo.


 Exportar commodities parece fácil, mas os países não se abrem facilmente as importações de setores mais competitivos. Acadêmicos dos países avançados pregam as vantagens da abertura de seus mercados internos. Seus governos, porém, parecem não lhes dar muito crédito. Medidas sanitárias e fitossanitárias são utilizadas como barreiras, e vencê-las não é nada fácil. 





segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Doha: agora vai?


  

    A Rodada Doha começou em 2001. Até agora não terminou. Essas negociações entre países que aderiram à OMC tinham como objetivo o desenvolvimento por meio do aumento do comércio internacional. Um dos principais itens da pauta era o comércio de produtos agrícolas. Estas mercadorias ainda enfrentam barreiras protecionistas, muito mais duras que aquelas impostas aos produtos industriais. Daí a mobilização dos países em desenvolvolvimento (G-20) e dos países exportadores de produtos agrícolas (Grupo de Cairns) para conseguirem acesso à grandes mercados como EUA, União Européia e Japão.
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    Parece que os países mais protecionistas não entenderam os benefícios que o livre-comércio pode lhes proporcionar. EUA, UE e Japão insistiram durante toda a rodada em oferecer concessões pífias em redução de tarifas de produtos agrícolas e sobre subsídios a esses produtos. Sua disposição era enterrar o assunto e conseguir liberalização dos países em desenvolvimento nos demais setores. Entretanto, em Cancún, em 2003, Brasil e India orquestraram uma rebelião que deixou os países ricos furiosos.  Estes últimos, então, acusaram o G-20 de travar as negociações. Setores da imprensa brasileira deram uma barrigada comprando a versão estadunidense.
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    A partir daí tudo foi ficando mais complicado. Veio a crise econômica mundial e o clima de negociação se acabou. Uma divergência temporária entre Brasil e India foi a gota d'água. Parecia que estava tudo enterrado. Recentemente, porém, alguns atores se esforçam para conseguir algum avanço na Rodada. O Brasil e o presidente da OMC, Pascal Lamy, tentam buscar algum ponto que seja de consenso para que um acordo. Afinal, no meio do impasse deve haver algum consenso e perder a chance de incrementar o comércio seria desperdício.
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   Interessante no meio de toda essa discussão é analisar as diferenças internas de percepção. No caso brasileiro é nítido que o Ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores dá grande ênfase à retomada das negociações, gozando de amplo apoio do Presidente Lula. A análise do Ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, é um pouco distinta: ainda que diga que as negociações devam ser tocadas, confessou que acredita que ao final não resultarão em grande acordo, e que a abertura de mercados se dará por conta das necessidades de importação dos países centrais frente a competitividade da agricultura brasileira.
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  Os países mais importantes fecharam um acordo para retomar a Rodada Doha em julho. Até agora os avanços não foram nem de perto àqueles esperados para antes de crise. Diante de tal cenário, é bom analisar com atenção a tese do Ministro Stephanes. Achei um pouco absurda no início, mas em alguma medida, dependendo da retomada da economia mundial, ela pode se concretizar.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Código Florestal: a polêmica revisão

    

    
    
     A revisão do Código Florestal brasileiro está dando o que falar. As disposições sobre reserva legal e área de preservação permanente (APP) que obrigam agricultores a não cultivarem parte de suas terras estão prestes a sofrer alterações. O objetivo inicial da reserva que era a conservação de madeira, há décadas passou a ser ambiental, especialmente para conservação da biodiversidade. As áreas de preservação visam proteger os recursos hídricos e evitar erosão.
  
     O debate está polarizado. Os deputados sensíveis às questões da agricultura querem flexibilização. Esperam poder incluir as áreas de preservação permanente na contagem da reserva legal. Afinal a reserva é calculada como percentual da área total (de 20 a 80%), enquanto que as APPs são entornos dos rios, lagos e encostas. Em regiões com relevo irregular estas últimas ultrapassam em muito os 20%, e acabam inviabilizando a produção agrícola.
  
     Os parlamentares contrários à flexibilização argumentam que as mudanças vão permitir a destruição de ecossistemas sensíveis. Alegam que o meio-ambiente é um tema transversal e que os agricultores devem colaborar com a preservação da diversidade. Os agricultores, porém, não concordam em ceder parte de suas terras e não ganhar nada em troca. São obrigados a cumprir o papel que caberia prioriatariamente ao Estado, o de definir e manter unidades de conservação. Seria uma multifuncionalidade distorcida, e portanto mereceria uma flexibilidade maior.
  
    Um ponto não bem elucidado no debate é que a boa parte das áreas que a lei prevê como reservas já estão desmatadas. O próprio Estado incentivou sua derrubada no passado, concendendo crédito e estimulando seu cultivo. Hoje teriam de ser repostas. Com a tal flexibilização não seriam desmatadas novas áreas. O ritmo e forma de recomposição seriam diferenciados, de acordo com as possibilidades. O máximo que conseguiria uma proposta radical seria a de colocar os agricultores na profunda ilegalidade e não o de fazer aparecer novas áreas preservadas.
  
     Parece que alguns parlamentares da base governista já estão se dando conta da realidade. O deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), por exemplo, ligado a movimentos sociais, já compreendeu a importância da agricultura para a geração de emprego e renda. Entende que as reservas são importantes, mas que não se pode matar a galinha dos ovos de ouro do país, portanto defende uma negociação mais consensuada. A exemplo do deputado Antônio Palocci (PT-SP) é sensível às pecualiaridades dos agricultores. A comissão escolhida, no entanto, parece um pouco mais polarizada. Uma das exceções é o deputado Mendes Thame (PSDB-SP), ambientalista com conhecimento das necessidades da agricultura. Talvez possa costurar um bom acordo.
  
      Qualquer que seja a revisão proposta, uma necessidade virá à tona ao final do processo: a de políticas públicas mais específicas para a recomposição das áreas em situação irregular. De nada vai adiantar cortar o crédito de quem não tem a reserva. Será necessário maior envolvimento das agências governamentais, de todas as esferas, em suprir o agricultor de informação, de mudas, de assessoria, e de crédito para a reposição florestal. Será a hora de o Ministério do Meio Ambiente ser mais propositivo e conciliador e auxiliar os órgãos de fomento a desenhar programas que tragam resultados concretos. A biodiversidade vai agradecer.

  

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Agronegócio: a atualidade de Roberto Rodrigues

    
       Ficheiro:Roberto Rodrigues.jpg  
        
   Os estudos de economia e geografia, até os anos 50, tinham uma obcessão em dividir a atividade ecônomica entre os setores primário, secundário e terciário, como se fossem áreas fechadas em si mesmas. Em 1957 os pesquisadores de Harvard Ray Goldberg e John Davis decidiram utilizar uma novo método de análise. Criaram o conceito de agribusiness ou agronegócio. Em vez de estudarem a agricultura como um fenômeno isolado, como se esta não dependesse de outros ramos, estudaram o conjunto de uma cadeia agroindustrial.
  
    Um agribusiness é a soma das operações de produção e distribuição agrícola, seus insumos e o processamento dos produtos originados em sua cadeia. Por exemplo, no agronegócio do frango estão englobados os produtores de ração, os de milho, os distribuidores, os produtores de equipamentos para granjas, as empresas de transporte, as fábricas de embalagens, as indústrias de abate e comercialização, o granjeiro, as fábricas de vacina e medicamentos, os exportadores e assim por diante. Os trabalhos do Pensa da USP explicam bem essa visão global do setor.
  
    O Professor Roberto Rodrigues sempre enfatizou em suas aulas a importância de se pensar em termos de agronegócio. Ensinava que não devíamos ser bitolados em entender somente o que ocorre dentro da porteira, mas deveríamos entender suas conexões com os fornecedores e com os compradores. Ele tinha razão ao dizer que uma cadeia é tão forte quanto seu elo mais fraco. E todos são interdependentes. A crise dos citrus comprova essa tese. A indústria do suco usou seu poder oligopsonista contra o citricultor até que área plantada se reduzisse e houvesse menos laranja para moer. Foi um tiro no pé!
  
    Alguns setores importantes da sociedade não entenderam bem o conceito de agronegócio. Em vez de estudarem o que conceitou Goldberg, resolveram inventar aleatoriamente um novo significado. Líderes do MST alegam que agronegócio é somente a agricultura empresarial, insistindo que a familiar não faz parte dele. Puro engano. A agricultura familiar mais competitiva do Brasil, como a que produz frango, suíno, leite e fumo está profundamente integrada em seus respectivos agronegócios. Não estão isoladas, estão conectadas em uma extensa e complexa cadeia.
  
    O que Rodrigues pregou na Abag e no MAPA é que as políticas públicas para a agricultura devem ser pensadas levando-se em conta as peculiaridades de um determinado agronegócio. Como homem do cooperativismo sabia que a organização da produção é fundamental para conseguir poder de barganha, mas que ao final das contas os atores de uma cadeia agroindustrial devem estar sempre com os canais de negociação abertos aos demais atores. Foi por isso que as câmaras setoriais ganharam tanto destaque em sua gestão como ministro. A construção de políticas com a participação do setor produtivo se tornou a regra, o que obviamente não dispensa a regulação do Estado.
  
    Assistir ao esforço conjunto empreendido recentemente pelo MDIC, MAPA e BNDES para salvar os frigoríficos durante a crise mundial é ver o conceito de agronegócio em ação. O BNDES não atuou de forma passiva, mas entendendo o agronegócio, deu seu apoio pedindo em contrapartida a adoção de práticas sustentáveis e de rastreabilidade. Se a cadeia se partisse, com certeza a situação do pecuarista, do supermercados, do consumidor de carne, do fabricante de sal proteinado ficaria muito pior. Haveria crise de confiança e o Brasil perderia anos de esforços que lutou para conseguir o acesso aos mercados. Quem entende o conceito de agribusiness, como o Ministro Rodrigues entendia, sabe a sua importância. Política públicas inteligentes para agricultura não dispensam a compreensão do que é agronegócio.



segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Agronegócio argentino: corrida contra o tempo

      
  
    Fazer comparações com a Argentina é o grande esporte dos brasileiros. O agronegócio não escapa a esse "método de avaliação" popular. Ressalvas sejam feitas às peculiaridades locais (clima, tipo de produtos principais, área disponível para expansão, infra-estrutura), Brasil e Argentina são potências do agro e grandes exportadores mundiais do setor.
  
    Cristina Kirchner adotou políticas agrícolas diferentes das do Brasil. A política econômica de Buenos Aires se baseia num crescimento para dentro, heterodoxo, lastreado somente na demanda interna. A economia cresceu, mas o consumo de alimentos amentou mais do que a produção. As exportações foram desviadas, para evitar o desabastecimento. Foram impostas medidas drásticas, provocando a fúria dos produtores rurais. Os bloqueios de estradas (foto), organizados pelos ruralistas, se tornaram o símbolo do conflito.
  
    Além do consumo interno, a política platina tem se baseado na estratégia de agregação de valor através da agroindústria. O trigo argentino que antes inundava os moinhos brasileiros a preços baixos, agora só sai de lá transformado em farinha. Ruim para os barões da moagem "brasileira" e bom para os nossos produtores de trigo. Os feedlots (confinamentos), e a avicultura são as grandes estrelas do novo agro argentino. A produção de grãos, porém, não caminha no mesmo passo e vai ficando para trás. E alguns setores dinâmicos do agro estão se expandindo à custa de subsídios.

    A opção argentina é arriscada. Se investimentos não forem realizados a tempo, o país pode passar de grande exportador de alimentos a eventual importador. É uma corrida contra o tempo. Ademais, os rendimentos auferidos pela base de produção como soja, trigo e milho não têm sido animadores, o que não estimula inversões. Eles criaram a "anti-lei Kandir". Essa experiência de agregação de valor "na marra", desviando ganhos do setor primário para a agroindústria, apresentou enormes deficiências no Brasil e impediu o avanço de nossa produção por décadas.

   As condições que levaram a Argentina a adotar esse tipo de política são diferentes das do Brasil. Lá a economia interna estava num ritmo ainda mais aquecido e as áreas disponíveis para expansão agrícola, praticamente esgotadas. De forma distinta, o nosso modelo para agregar valor está ligado aos esforços de criação de empresas fortes no setor agroindustrial, os chamados "campeões nacionais". Aceitamos a reforma imposta pela lei Kandir como um fato consumado, que trouxe tanto pontos positivos como negativos. E diante dessa realidade, trabalhamos para que a agroindústria alcance o salto dado pela agropecuária.
  
    Difícil dizer quem está certo. Talvez cada país esteja usando políticas adequadas a sua realidade momentânea. O Brasil tem um grande de banco de investimentos, o BNDES, para lastrear seu suporte a construção de empresas sólidas como a Brazil Foods (junção de Sadia e Perdigão). A Argentina, por sua vez, está lutando contra o desabastecimento, aceitando a desustruturação temporária da agricultura como  um preço a se pagar para aquecer a economia. Se tudo de certo, esperam retomar os investimentos no agro, e continuar exportando, então com maior valor agregado.
  
     A única certeza que temos, porém, é que um Mercosul forte é bom para todos os parceiros. Oxalá Brasil e Argentina estejam acertando o alvo mesmo trilhando caminhos diferentes! Afinal, além do câmbio, o agronegócio gera empregos e estimula a economia de todo o Cone Sul. Quem sabe o novo sócio do bloco, a Venezuela, não invista alguns de seus dólares, atualmente sem liquidez, no agro argentino? Iria ser uma grande ajuda nessa corrida argentina contra o tempo. É esperar pra ver...
    

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Hidrelétricas: compatibilizando políticas públicas

   Ficheiro:Usina de Tucuruí.jpg
  
  
    Foi-se o tempo no qual os tecnocratas tudo decidiam sem consultar ninguém. Naquela época, grandes complexos hidrelétricos foram erguidos para gerar a energia necessária ao crescimento do país. Infelizmente, o custo também foi alto: famílias deslocadas sem a devida realocação, áreas com assoreamento intenso, e a perda da continuidade de áreas navegáveis.

    Navegabilidade é uma questão relevante para a competitividade agrícola. A logística é um importante componente de custo dos produtos agrícolas e o modal hidroviário - quando existente - tem custos inferiores ao rodoviário, este último ainda predominante no Brasil. Porém, quando hidréletricas são construídas,  barram a navegação. As políticas para a energia são implementadas, mas prejudicando uma série de políticas articuladas para a agricultura.
  
    É verdade que na maioria dos rios onde foram construídas as usinas, a navegabilidade inicial era pequena. Mas após a construção ela torna-se viável, e aí se vê barrada no nascedouro. A saída: construir eclusas. As eclusas quando projetadas e construídas junto com as usinas são mais funcionais e têm custos bem inferiores. Depois de pronta a barragem, as eclusas ficam praticamente inviáveis, por seu custo e pela dificuldade de seu financiamento.
  
     Diante dessa situação, a equipe de logística agroindustrial do ministério da agricultura passou a defender a construção das eclusas concomitantemente às barragens. A secretaria de assuntos estratégicos concorda com a posição, e engrossou a advocacy coalition das eclusas. Universidades e grupos de pesquisa, como o   Esalq-log, há muito advogam redução dos custos de transporte. Espera-se que com a adesão da ANTAQ, de governadores, deputados, representantes de cooperativas, tradings, sindicatos rurais e entidades nacionais (CNA e OCB) essa coalizão consiga reverter a hegemonia do lobby da energia. O antigo projeto de lei do deputado Beto Albuquerque obrigando a construção de eclusas parece ganhar a cada dia um novo apoio.
  
    A geração de eletricidade certamente continuará sendo prioridade. Ninguém quer negar. O que se espera é a compatibilização das políticas energéticas com as políticas de transporte e agricultura. Uma solução negociada para que o país, além de garantir a energia necessária ao seu desenvolvimento, possa também aumentar a competitividade do agronegócio, gerando divisas externas, renda e empregos. Quer se evitar uma nova Tucuruí, na qual a barragem foi concluída em 1984 e até hoje a eclusa não ficou pronta. Os legisladores estão fazendo sua parte na compatibilização das políticas públicas, levando adiante o PL 3009/97. Espera-se que sua aprovação, e conversão em lei, não saia tarde demais.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Embrapa: o Estado como solução

      
  
  
    Peter Evans, em seus estudos, analisou a relação Estado e desenvolvimento. Chegou a conclusão de que o Estado pode ser tanto problema como solução. E cunhou a expressão "autonomia inserida". Quer dizer que um corpo burocrático é ao mesmo tempo insulado para desenvolver projetos técnicos e conectado o bastante para discernir os anseios da sociedade e buscar apoio relevante. As disfunções são a burocracia capturada ou o Estado como predador da sociedade. Seu anti-exemplo é o Zaire, onde os governantes , na era Mobutu, destruíram o país para aumentar seus ganhos. Seu exemplo, a Coréia do Sul, onde o planejamento estatal criou prosperidade nacional. Brasil e Índia ficam no meio: apresentam bons e maus exemplos.

  A Embrapa deveria ser incluída em qualquer estudo desta natureza como o benchmark do Brasil. Existem outros institutos de pesquisa agropecuária bem sucedidos no mundo. Mas a Embrapa mudou radicalmente o desempenho da pesquisa no Brasil desde 1973. Antes dela um pequeno departamento no Ministério da Agricultura sem nenhum empoderamento e altamente permeável não conseguia articular, dar organicidade e mobilizar recursos para os esparsos centros de pesquisa agropecuários isolados Brasil afora. Os resultados eram pífios. Depois dela, conseguimos transformar o cerrado em um grande polo de produção e nos tornamos referência mundial em agricultura tropical.

    Grande parte do sucesso se deveu a capacidade da Embrapa em recrutar um execelente corpo técnico, aperfeiçoar sua formação e blindar a organização das lutas políticas externas. A meritocracia se tornou a regra. Até o presidente da empresa é escolhido por processo aberto onde suas credenciais técnicas devem ser expostas. Como consegue mostrar resultados, inclusive investindo em comunicação social, garante apoio político relevante para seus projetos. Ganhou até mesmo o PAC Embrapa: recursos fartos para serem aplicados em tecnologia agropecuária.
  
    Os recrutados como primeiros pesquisadores da Embrapa, nos anos 70, haviam estudado nas mesmas renomadas faculdades de agronomia que os futuros articuladores do agronegócio do Brasil. Assim foram abertas as portas para escutar as necessidades do setor. Redes de relacionamento foram formadas. A empresa despachou a maioria deles para doutorados em universidades prestigiadas mundo afora, o que proporcionou acesso ao estado da arte nas tecnologias críticas. Ademais, o modelo tecnocrático, vigente nos anos do milagre econômico, garantiu recursos nos diversos centros de pesquisa, dando prestígio ao pesquisador.
  
    Com a democratização a instituição precisou se renovar. Resistiu aos assédios de um ensaio de partidarização durante os anos 80. Sobreviveu, por pouco, ao desmonte do Estado promovido na era Collor. Renasceu, e se reinventou para continuar a ter sucesso. Hoje, ouve as necessidades de seu público através de canais institucionalizados de participação como os Comitês Assessores Externos - CAEs. Conseguiu equacionar a questão da propriedade intelectual, inclusive com a criação de joint ventures com a iniciativa privada e licenciamento tecnológico. Seus recursos conseguem ser canalizados para suas prioridades através de competição interna para participação nos projetos principais, fazendo com que o que foi definido como estratégico seja realmente tratado desta forma. Seu sucesso chega a criar assédio de países que desejam receber unidades da Embrapa, como demonstrou a inauguração, por Lula, de um escritório em Gana.
  
    Obviamente nem tudo são flores. Os salários atuais, embora atrativos, não são competitivos o suficiente para segurar na instituição talentos assediados por empresas multinacionais líderes em seus setores. Mesmo assim a Embrapa segue adiante, sabendo deixar de lado o que já não é mais o seu foco, e canalizando esforços para as questões críticas da agricultura brasileira. O bastão está aos poucos sendo passado para a nova geração. O Brasil espera deles o mesmo sucesso, ou até mesmo maior do que seus brilhantes antecessores. Enquanto isso, a Embrapa pode ser vista como um modelo de institucionalização positiva a ser seguido dentro da burocracia. Uma prova de que um Estado com boa gestão de políticas públicas é capaz de articular a sociedade para o desenvolvimento. As nossas super-safras estão aí para provar.


terça-feira, 8 de setembro de 2009

Energia elétrica da cana-de-açúcar

     

    No princípio era o açúcar. Com o proálcool, nos anos 70, os canaviais passaram a ser, também, fonte de combustível. Hoje, enquanto o mundo inteiro tenta seguir os passos do etanol, há uma grande transformação em curso no Brasil: as usinas de açúcar e álcool estão se transformando em fontes de energia elétrica.
   
   No Brasil colônia, para fazer açúcar os colonos queimavam madeira para aqueçer o caldo de cana. Destruíram muitas florestas. Os holandeses, quando foram expulsos, plantaram cana no caribe. Como não tinham madeira, tiveram a idéia de queimar o bagaço da cana. Deu certo. Hoje qualquer usina, usa a mesma tecnologia.  
   
   Há usinas, no Brasil, que além de queimarem o bagaço para esquentar o caldo da cana, aproveitam esse calor da queima para movimentar turbinas a vapor que geram energia elétrica. A produção de eletricidade é tanta, que já conseguem vender as sobras para a rede elétrica. Em vez de consumidoras, as usinas, são agora produtoras.
   
   Só o potencial do bagaço (fibras da cana), que era considerado resíduo, é respeitável. Porém, estudos recentes mostram que a palha da cana, juntamente com outros resíduos de campo, conjunto chamado de palhiço, tem um potencial ainda maior. O palhiço normalmente é queimado no campo, para facilitar a colheita. Com o avanço da mecanização, que não queima a cana, esse palhiço está ficando disponível. 
   
   Estimativas indicam que o potencial de bagaço mais palhiço é suficiente para suprir o equivalente a uma Itaipú na época das secas. É uma fonte de energia, que além de não gerar mais carbono do que sequestra, é confiável e está disponível justamente na época em que as hidrelétricas ficam em risco. Ou seja, é um opção ideal para a diversificação da eletricidade nacional.
   
   Com o boom de usinas construídas nos últimos três anos, prevendo aumento na demanda mundial de etanol, as possibilidades se multiplicaram. A grande maioria, delas, contudo, só possui cogeração para uso próprio. Não investiram em equipamentos prevendo vender eletricidade, como fazem algumas empresas do setor no Estado de São Paulo. 
   
   O potencial está aberto. Um grande número de usinas comporta novas unidades de cogeração. A mecanização da colheita da cana-de-açúcar está aumentando a disponibilidade de matéria-prima. O que falta ainda, são os ajustes para integrar as políticas públicas para o setor. Uma política com maior organicidade vai facilitar a transformação das usinas de açúcar e álcool em verdadeiras usinas de energia. 
   

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

A maldição do milho



   
   O Brasil precisa de milho. É o aço do nosso agronegócio, matéria-prima básica da cadeia de produção. Frango, ovos, suínos, leite: todos estes usam o cereal. Sustentam milhares de agricultores familiares e agregam renda ao desenvolvimento rural. Sem milho não há muçarela, peito de frango, presunto, iogurte, e não há grandes exportações de carne. Se não exportamos tanto milho é porque agregamos valor e exportamos carne de aves e de suíno.
   
  A produção de milho no país é crescente. Houve época em que o Brasil importou, pois a antiga política industrial de agregação de valor foi implementada de forma equivocada, fazendo com que o produtor não se animasse a plantar e a se tecnificar. Hoje, depois da liberalização dos anos 90, até exporta. Mas as condições ainda são bem delicadas: falta espaço para armazenar, a rentabilidade em regiões distantes é baixa, e a liquidez na venda menor que a da soja.
     
   Milho e soja são bens substitutos na produção. Em geral, usam a mesma terra, a mesma maquinaria, o mesmo tipo de insumos. A soja vale mais por saca (hoje: soja R$ 47,00/sc e milho R$ 19,00/sc). Na hora de armazenar, estocar soja parece ser mais negócio. Digamos que o custo de armazenagem por saca seja de R$ 5,00. Neste caso, aumenta o custo em 12% na soja, mas, mais de 25% no milho. O milho não consegue competir por armazém, e quando entra a safrinha então, já não resta mais nenhum espaço.
   
   A distância dos centros e dos portos também pesa mais para o milho. Vale o mesmo raciocínio anterior: o frete impacta mais os produtos com menor valor por quilo. Enquanto a soja pode ir mais distante, o milho fica limitado a regiões com melhor logística. Plantar milho em Ponta Grossa, PR não é mau negócio, já em Vilhena, RO, fica difícil. O problema é que mesmo nas regiões distantes o milho frequentemente é a única opção de rotação para a soja, e o agricultor fica numa situação complicada.
   
   Na hora de vender um outro tormento! Soja tem mercado líquido: em qualquer praça tem negociante dando preço todo dia. Pode não ser um bom preço, mas tem sempre comprador. Já no milho falta liquidez. Se não for negociado antecipadamente, corre o risco de ficar encalhado, por falta de comprador spot
  
    A causa não está perdida. O agricultor resiste. Políticas públicas, como prêmio para escoamento, são implementadas. Estudos sobre transporte e armazenagem subsidiam as deciões de logística. Linhas de crédito para armazéns aumentam a capacidade de estoques. Contratos de garantia de compra são ofertados pelas grandes integradoras como Sadia e Perdigão. Novos abatedouros são implantados no centro-oeste. O agricultor improvisa armazém com os silobags
    
    Todos estes esforços garantem que a produção não recue. O Brasil é resiliente, consegue até mesmo ampliar sua fatia no mercado internacional. O custo, porém, é a tendência de descrença do produtor no cereal amarelo. O milho vai ficando em segundo plano: a soja tem um brilho mais reluzente que ofusca as amarguras do grão asteca.   

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O seguro e o fundo de catástrofe




  O seguro rural precisa deslanchar. Afinal, agricultura é atividade de risco, exposta a secas, granizo, enxurradas. Se o agricultor ficar devendo por causa de quebra de safra, mesmo que tenha condições de pagar no médio prazo, no curto ninguém dá crédito. Ou seja, já está falido. Todo mundo perde: alguém com know-how e capacidade de plantar fica com máquinas paradas. Empregos no setor de insumos e na indústria de alimentos são ameaçados, e as divisas externas caem para abaixo do potencial.
           
  Mas, cada risco é um risco diferente. Seguro de automóvel é simples: você paga um prêmio todo o ano, e os  acidentes que ocorrem com uns poucos são pagos com parte do prêmio recebido de todos. O que sobra é lucro da seguradora e pagamento dos custos operacionais. O número de acidentes é mais ou menos estável, dificilmente o valor arrecadado fica abaixo dos pagamentos por sinistro.
  
seguro rural é mais complexo. Quando há seca grave, o valor dos pagamentos excede em muito o valor recebido pelas apólices. Se uma seguradora tiver uma carteira concentrada no rural, pode quebrar, e aí não paga ninguém. Por isso, os limites que elas podem assegurar ainda são tão baixos. Saída: transferir risco. É o que faz o modelo norte-americano, o modelo espanhol e muitos outros.
    
 No Brasil estamos tentando criar o Fundo de Catástrofe para o seguro rural. A idéia é simples: cada seguradora coloca um pouco todo ano, o governo e a indústria colaboram, e quando houver uma catástrofe, como uma seca, parte das indenizações serão pagas com recursos do fundo. Ninguém quebra, e o risco é diluído ao longo dos anos.
 
 Mas há dificuldades. O antigo Fundo de Estabilização (FESR), ainda em vigor, é um fracasso. Seguradoras eficientes pagam pelas ineficientes. Ninguém quer participar. É preciso evitar que isso se repita. Falta, também, saber qual será a proporção entre recursos públicos e privados, uma vez que até o Ministério da Fazenda deu seu aval ao projeto, acreditando que diminuirá a avalanche de dívidas rurais contraídas por falta de um bom seguro. Os valores estimados, no entanto, ainda estão abaixo do desejado pelo setor.
 
 E at last but not least, fica a questão de quais situações poderão dar causa a uso dos recursos do fundo. Se qualquer evento climático der causa, o fundo quebra. Se for inacessível, o fundo será inútil. Está posto o desafio de definir precisamente o que é castástrofe. Um perigo parece estar afastado: que políticos usem o fundo para beneficiar suas regiões eleitorais em detrimento dos outros segurados. A administração deve ficar com técnicos das seguradoras e resseguradoras. Mas definir quando e porque usar o fundo ainda é uma grande icógnita.
 
 Diante de um aparente impasse, uma solução sábia do Deputado Micheletto: convocar audiências públicas. Isso mesmo, democracia direta, onde cada um diz o que pensa e quais são seus legítimos interesses. Da discussão, nasce a solução... e a mobilização. Quem sabe envolvendo os agricultores, objetos - e agora sujeitos da política pública-, não nasça um acordo eficaz. Vamos torcer pelo sucesso!

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Índices de produtividade - Revisão

  
    
    
   Para os técnicos do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) parecia estar tudo combinado. Afinal sentaram-se por meses com uma equipe do Ministério da Agricultura para revisar os índices produtividade. Agora seria só publicar, fazer um agrado à CONTAG e ao MST, e esperar deles talvez algumas vaias por conta da suposta timidez das alterações. Afinal, para muitos o ideal seria uma alteração mais profunda, que permitisse maior desapropriação de terras declaradas improdutivas.
   
   A chiadeira, entretanto veio do outro lado. Os ruralistas, ligados aos grandes e médios produtores da agricultura empresarial, reclamaram em peso. Alegam que a revisão cria instabilidade transformando artificialmente terras produtivas em improdutivas para que o governo possa desapropriá-las para a reforma agrária. Num momento de mercados incertos e custos de produção altos, obrigaria o produtor a trabalhar numa faixa de lucratividade menor para alcançar os índices, afirmam.
 
   Não é novidade essa disputa. Os índices de produtividade mínima da agricultura são o grande issue da reforma agrária no Brasil. Sua linha de base, em cada cultura, define se uma fazenda pode ou não ser desapropriada. Para os futuros assentados é terra para iniciar uma nova vida. Para o dono da terra é uma grande dor de cabeça: receber em pagamento títulos que só podem ser resgatados depois de 5, 10, 15 ou 20 anos.
   
   Tudo indica que a pressão contra os novos índices não vai dar em nada. Ficaria muito mal ao MDA ter que voltar atrás. Não se descarte, porém, alterações pontuais: toda metodologia pode ter um furo, por exemplo ignorar a peculiaridade ambiental de uma microregião que faz com que sua produção seja menor que a média da região. Mas a essência da revisão permanece.
    
   Fato estranho é ausência dos ambientalistas neste debate. Ou eles não perceberam o impacto que a alteração dos índices pode causar, ou não querem por mais lenha na fogueira de um debate que pode ofuscar a revisão do Código Florestal, que é a sua bandeira no momento. Afinal, produtividade tem a ver com a sustentabilidade dos sistemas agrícolas e com seu impacto nas áreas adjacentes.
 
   O que sabemos, com toda a certeza, é que o assunto ainda vai render, afinal é a base de uma política redistributiva, aquela que mais cria conflitos. E as políticas públicas, como os agricultores vão percebendo, sofrem a influência de uma democracia mais ativa, mais plurissetorial, onde uma área tem que discutir com a outra. Em suma: conflito.