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segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Quinoa: isso ainda vai dar o que falar





Esse grão está fazendo sucesso em todo o Brasil. Não só aqui, mas no mundo todo, adeptos de dietas saudáveis estão comprando a quinoa. É um mercado que não para de crescer para um produto cujo consumo antes se restringia somente aos países andinos como Bolívia e Peru, de onde é originária. Com esse mercado garantido no Brasil, ainda importamos o produto para nos abastecer. 

Ocorre que a mesma quinoa (ou quinua) está em alta entre os adeptos da boa forma breve estará popular também entre os agricultores. Isso porque, muito antes dessa popularização, a Embrapa Cerrados – que busca alternativas de produção para os agricultores – adaptava essa planta para nosso país. E assim conseguiu ter uma variedade de alto rendimento chamada BRS Peabiru.

A quinoa pode ser encaixar como alternativa para a rotação de culturas no Brasil Central. Embora sabidamente necessária, nem sempre é praticada devido a pouca disponibilidade de espécies economicamente viáveis e que se encaixem no sistema de produção. A quinoa parece ser uma alternativa a ser explorada, principalmente por ser de uma família diferente das gramíneas e das leguminosas (na verdade um quenopodiácea, próxima do espinafre). Rotação com plantas de famílias diferentes tendem a diminuir as pragas em comum.

Seu cultivo ainda não decolou, mas mostra grande potencial. A organização da cadeia produtiva pode ser feita por alguma cooperativa que organize contratos com atacadistas do produto. Será um começo. Se der certo, o Brasil vai se tornar um grande fornecedor do produto para o mundo. A cultivar adaptada a Embrapa já tem, e o ambiente é propício. O caminho está aberto.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Revendo a modernização conservadora da agricultura




    Antes do Golpe de 64 havia uma vibrante discussão em torno da reforma agrária no Brasil. Não era um assunto só dos grandes pensadores, mas estava presente em toda a sociedade, ora como alternativa viável, ora como um fantasma que assustava os proprietários - o caso mais emblemático eram as Ligas Camponesas que ocupavam fazendas no nordeste do país. Veio o Regime Militar, junto com ele a repressão e um discurso de modernização do país. A agricultura não ficou de fora: saiu de um sistema pré-capitalista para uma forte integração com o mercado.

   Para explicar o que aconteceu na agricultura do país, estudiosos brasileiros usaram o conceito do cientista político Barrington Moore - Modernização Conservadora - , o qual fora cunhado para explicar o avanço do capitalismo em países como Alemanha e Japão, com consequências sociais distintas de países como França e Inglaterra. José Graziano, hoje presidente da FAO, foi um destes acadêmicos que demonstrou que a agricultura brasileira estava se integrando ao mercado, apropriando tecnologias avançadas ao mesmo tempo em que mantinha ou acelerava a desigualdade social, e assim tentava enterrar a reforma agrária.

   Embora tenha trazido uma explicação útil, o termo modernização conservadora na agricultura brasileira, acabou caindo na vulgaridade. Seu uso passou a ser cada vez mais para mostrar os problemas do campo.  Existem vários: êxodo rural acelerado inchando as grandes cidades, desigualdade social, dependência de insumos, aumento dos riscos para o agricultor. Só que nesse afã de tudo condenar acabou jogando o bebê junto com a água. É preciso reconhecer que a produção de alimentos aumentou muito, junto com a produtividade da agricultura, e não foi só nos bens de exportação como costuma ser dito. O Brasil é um dos países onde o trabalhador menos gasta seu salário para comprar alimentos. Os alimentos ficaram acessíveis e a oferta de proteínas de qualidade explodiu.

   Está na hora de uma revisão nas análises mais rasteiras. Focou-se muito em "conservadora" e pouco em "modernização". As duas estiveram interligadas. Se quisermos um modelo de desenvolvimento mais justo e inclusivo é preciso saber como aproveitar as vantagens que a modernização da agricultura trouxe, sem descartar seus benefícios, ao mesmo tempo em que se buscam alternativas mais justas com mudanças necessárias. Os alimentos de qualidade, a preço baixo é um benefício que o Brasil conquistou e beneficia os menos privilegiados, e sua oferta tem tudo a ver com a modernização da agricultura. A modernização foi sim muito conservadora, mas hoje é possível torná-la mais justa sem deixar de lado seu aspecto moderno.

sábado, 9 de junho de 2012

Acordos servem para o produtor rural ter melhores preços?





Farinha pouca, meu pirão primeiro. Assim diz o ditado que tenta explicar as dificuldades de se negociar divisão de ganhos. Na agricultura não é diferente: quando uma cadeia de produção tem várias etapas, cada parte quer ficar uma fatia maior do bolo. Desde o supermercado que vende o leite na prateleira, passando pela indústria que beneficia e embala, pelo produtor rural que tem as vacas, até a fábrica de ração, cada um quer ganhar um pedaço maior, deixando menos para o outro. Isso tudo num mercado onde os preços oscilam. Fica a pergunta: dá para ter alguma ordem nessa bagunça? Como ter mais clareza e estabilidade na negociação de preços na agricultura?

O CONSECANA, uma associação de plantadores de cana e donos de usina, é um dos grandes modelos para a negociação de preços. Lá reunindo quem compra e quem vende cana-de-açúcar foi criado um modelo para fixar o preço da cana com base nos preços do mercado de açúcar. Muita gente quer copiar o sistema porque parece justo. A cadeia produtiva da laranja tem tentado algo parecido, batizado como CONSECITRUS mas não há consenso entre as partes. É preciso, porém, saber que sistemas como estes não necessariamente trazem mais ganhos diretos ao produtor rural, antes são ferramentas de transparência e estabilidade que permitem certa previsibilidade e poder de negociação. E a negociação é que pode, ou não, trazer ganhos.

A grande questão que paira é se um modelo destes negociado entre as partes é possível de ser copiado para outros setores, o que daria mais transparência e previsibilidade. E a resposta tem a ver com o histórico de um setor extremamente regulado como a cana, onde o elo mais fraco, os agricultores, tinha uma cultura de organização que vem desde a época de Getúlio. Para funcionar, tem que fortalecer a capacidade de coordenação dos produtores. No caso do leite, uma das cadeias mais pulverizadas na parte da produção primária, seria difícil definir isto por acordo entre as partes.  

Pensando nessa questão, o Congresso propôs uma lei que obriga os laticínios a informarem, antes do começo do mês, o preço que pagarão pelo leite recebido do produtor rural. Parece ser uma ferramenta útil para permitir a comparação e evitar práticas desonestas. Foi aprovada, só falta a Presidenta Dilma sancionar para ver como esse arranjo se comporta em tempos de grandes oscilações, ou seja, se os compromissos serão honrados pelas partes.

Ter transparência nos preços é possível. Ajuda a dar estabilidade para as negociações e pode ser uma ferramenta útil para evitar a manipulação dos preços contra o produtor rural. Não se pode, todavia, esperar que isso salva setores que têm problemas crônicos de competitividade e que precisam se reestruturar. E mais do que tudo, para que haja sistemas como o CONSECANA, pactuado entre os dois lados, é preciso fortalecer a organização e representação dos produtores de cada uma das cadeias produtivas.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Está sobrando dinheiro para o produtor rural?





A agricultura tomou de vez o rumo da sustentabilidade. Um dos programas mais importantes da política agrícola brasileira é o ABC, que direciona crédito a taxas módicas para que o agricultor adote sistemas que mitigam o aquecimento global. Ao mesmo tempo difunde técnicas para promover plantio direto, integração lavoura-pecuária-floresta, recuperação de pastos degradados. Tudo integrado. Só tem um problema: dos R$ 3,15 bilhões disponibilizados na última safra, menos de 500 milhões foram utilizados. Se a taxa é atrativa (cerca de 5,5% ao ano) porque os negócios não deslancham?



Já foi dito que as técnicas não seriam interessantes, não trariam rentabilidade ao produtor, só serviriam aos propósitos ambientais. Todavia o programa foi concebido com a participação de especialistas da Embrapa utilizando somente sistemas de alta produtividade, boa rentabilidade e que já estivessem sendo adotados com sucesso. Plantio direto é consagrado, o que o programa busca é expandi-lo. Tratamento de resíduos animais traz retorno garantido. Mesmo a integração lavoura-pecuária-floresta, que é mais complexa, traz excelentes resultados, como mostra a Fazenda Santa Brígida, de Ipameri, em Goiás. O problema não está nas técnicas requeridas.

Outro ponto levantado é a burocracia envolvida. Sejamos sinceros: este é um programa que dá boas condições com uma contrapartida: técnicas sustentáveis. Ninguém quer pegar dinheiro no banco para ter um uso específico. Quer usar para aquilo que bem entender. Mas a sociedade só concorda em pagar um preço por aquilo que tem valor, e os juros baixos exigem contrapartida. Entretanto é fato que em algumas regiões o legado histórico de nosso sistema de terras impede que os produtores tenham titularidade de suas posses, o que emperra o crédito. O programa Terra Legal tem avançado neste ponto, mas ainda não cobre todos os casos. Sobre os demais documentos exigidos, o sistema bancário pode ter um papel mais pró-ativo em auxiliar seus clientes.  

       O cerne da questão está mesmo é na capacidade de oferecer projetos. Relembro que nos idos do ajuste fiscal profundo, em 1999, um deputado me alertou em um simpósio na universidade: “jovem, quando acabarem os ajustes, virão as grandes obras de infra-estrutura. São necessárias. Mas não se iluda: teremos problemas. Depois de tantos anos parados perdemos a capacidade de fazer projetos”. Aqui parece a mesma coisa. O programa ABC visa levar a agricultura a um novo patamar tecnológico, mas os engenheiros agrônomos que elaboram os projetos desconhecem, na maioria das vezes, tais técnicas. Perderam a capacidade de pensar técnicas, de buscar a inovação, viraram meros despachantes de financiamento. É fundamental recuperar essa função tão importante de projetar e de dar assistência técnica.

O diagnóstico está dado. Os técnicos que implementam o programa já têm clareza do problema. Estão trabalhando para resolvê-lo. Há um calendário repleto de treinamentos e capacitações. Isso nos faz lembrar o livro Implementation, de Wildavsky e Pressman, um clássico das políticas públicas, que mostrava, há décadas, o quanto é complexo fazer um programa chegar na ponta, e quantos ajustes são necessários desde a sua concepção. É o preço que se paga por ousar fazer a diferença. Por ora está sobrando dinheiro, mas se os ajustes no programa continuarem seguindo nesse bom caminho, corre-se um outro risco: faltar recursos para a quantidade de projetos que serão oferecidos num futuro próximo. Esse risco, todavia, é muito melhor para a sociedade que quer um ambiente mais equilibrado. Nesse caso vai ser melhor faltar do que sobrar.

domingo, 20 de novembro de 2011

Agronegócio brasileiro investindo no exterior




     O Brasil é competitivo globalmente em muitos produtos do agronegócio. A carne de frango brasileira está presente no mundo todo. O açúcar, a soja, a carne bovina, a carne suína estão em situação parecida. Não foi fácil esta conquista. Dependeu de se aprimorar a competitividade interna e de se alavancar abertura de mercados no exterior.

     No entanto, dependendo do ciclo econômico, os governos manejam suas economias oscilando entre abertura e fechamento de mercados. Quando a inflação pressiona, importam para aumentar concorrência; quando o desemprego sobe, fecham mercados para tentar forçar a criação de postos de trabalho. O Brasil fechou seu mercado de automóveis para atrair montadoras nos anos 50. As montadoras que aqui não se instalaram, por mais competitivas que fossem, perderam o mercado.

      A Embraer, uma das maiores empresas brasileiras, sabe disso. Por isso decidiu produzir aviões na China. Se a Embraer não fosse para a China, sua concorrente iria. Mesmo sendo montados alguns aviões na China, projetos são desenvolvidos no Brasil, bem como peças e componentes, gerando empregos aqui e garantindo remessas de lucros que impulsionam desenvolvimento de novos produtos. Por fim, possibilita a empresa exportar do Brasil para a China aqueles aviões que não se produz lá.

     Com o protecionismo rondando o mundo, pode ocorrer de portas se fecharem aos produtos do agro brasileiro. Um exemplo são as dificuldades que a Rússia, grande consumidora de carnes brasileiras vem impondo para barrar nossas vendas. Seria lamentável jogar fora a capacidade gerencial e de produzir que se construiu aqui ao longo de décadas, por fechamento de mercados. Temos capacidade de produzir de forma competitiva e agregar cadeias produtivas, mas o protecionismo destrói a economia de escala. A saída? Investir no exterior.

      Se agronegócio brasileiro investir mais no exterior haverá minimização dos riscos de fechamento de mercados.  Não perde, todavia, o controle da cadeia para privilegiar, quando possível, o produto competitivo brasileiro. O JBS e o Marfrig estão nesta linha: abatem em diversos países, mas têm sede aqui. Quando possível o produto é despachado do Brasil. Empresas de açúcar e álcool brasileiras já estão caminhando para investir no exterior, e diversos setores estruturam planos semelhantes. 

      A questão não é pacífica. Há quem questione porque o BNDES apoiou frigoríficos a fazerem aquisições no exterior quando acreditavam que os recursos deveriam ser exclusivamente para investimentos no Brasil. Pode se questionar a qualidade dos ativos adquiridos, mas afirmar que o agronegócio brasileiro não pode investir no exterior é ingenuidade de quem não percebe os movimentos protecionistas mundo afora. Ou se investe, como faz a Brasil Foods na Argentina, ou se perde o mercado. E para ir driblando o protecionismo a saída são os investimentos no exterior. As políticas públicas precisam enxergar essa nova dimensão do agro.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Facilitando as leis para a produção rural

 

        Para viver em sociedade é preciso saber abrir mão. No mundo moderno, além da ética e da moral, a lei e o direito fundamentam as limitações. Não se pode matar, não se pode roubar. Morador pode reformar sua casa, mas esse direito não pode causar dano ao vizinho. Na produção agropecuária não é diferente: há o direito de produzir, vender e comprar produtos agropecuários, mas é preciso pensar no controle das pragas, doenças e na saúde pública, entre outras questões. Se a ação de uma pessoa causar dano a capacidade de o país produzir alimentos e abastecer de forma segura sua população, será limitada.

        Com o objetivo de garantir a sanidade da produção agropecuária, desde a década de 30, o Brasil começou a produzir leis sobre este assunto. Com a modernização agropecuária que aumentou a importância dos insumos, o número de normativos se ampliou. Hoje há um emaranhado, de leis, decretos, instruções e portarias que interferem na produção e venda de produtos agropecuários e seus insumos. Cumprem sua função de preservar a capacidade produtiva do país ao limitar a circulação e pragas e doenças e garantir a qualidade de sementes, vacinas, rações, defensivos e adubos. Mas causam confusão pela desconexão entre eles. Quem precisa conhecer, muitas vezes não sabe como buscar, se perde na longa lista de normas.

        Diante da multiplicidade de leis que tratam de assuntos relacionados, um esforço foi feito. A consultoria do Senado - que conta com profissionais altamente capacitados - realizou um exercício de reunir as diversas leis que disciplinam a sanidade agropecuária. Fez um projeto de consolidação, que é a técnica apropriada para tais casos. O Senador Antonio Russo, do Mato Grosso do Sul, ligado ao setor pecuarista e de carnes, comprou a ideia e deu os passos necessários para que seja efetivada, já estando tal projeto em tramitação nas comissões do senado. Trata-se do Projeto de Lei do Senado nº 592, de 2011. Quando entrar em vigor, facilitará as consultas dos interessados.

        Consolidar é um passo importante. Outro é melhorar a regulação. Para isso é preciso ter conhecimento técnico, o que o ministério da agricultura e diversas secretarias estaduais têm conseguido com a devida estruturação da carreira de fiscais agropecuários que não só implementam como elaboram e atualizam as políticas regulamentares da sanidade agropecuária. Além disso, é preciso saber como regular. Seguir boas práticas de regulação, e neste campo há espaço para avançar. A casa civil tem um programa estruturado de fortalecimento da regulação (Pro-Reg), mas ainda não incluiu a agricultura. Profissionais de fiscalização agropecuária são bastante treinados em sanidade, mas pouco na técnica da regulação. Está aberto o espaço.

           A se continuar nesse sentido, com avanços nas leis e regulamentos, a sanidade agropecuária terá o amparo legal para continuar garantindo a produtividade das lavouras e dos rebanhos brasileiros. As leis e regulamentos ficarão mais efetivos e simples de compreender. É isso que a sociedade demanda, especialmente o agronegócio brasileiro. Ninguém gosta de ter que seguir regulamentos, mas entende quando eles trazem proveito, e é isso que o ocorre com lavouras e rebanhos livres de pragas e alimentos sadios. É um esforço necessário que precisa ser bem disciplinado.   

   

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Aplaudindo quem lhe atira pedras

    


           É sempre bom ir a eventos que discutem as tendências da economia. Lá, pessoas de destaque expõem suas opiniões. Quem trabalha com o agronegócio se beneficia de debates sobre os rumos da agricultura brasileira. Não foi diferente com um colega que me relatou sua assistência a um destes seminários, há poucos anos. Mas aconteceu um fato curioso, que me fez pensar como a ideologia influencia os tomadores de decisão. Nesse caso,  falamos da ideologia em sentido crítico: a percepção construída da realidade que leva as pessoas a agirem contra seus próprios interesses.

A agricultura brasileira enfrenta uma série de desafios. Logística, complexidade tributária, riscos climáticos, custos de insumos etc. Por outro lado, como um projeto de desenvolvimento nacional, vários governos se propuseram a criar mecanismos de mitigação de tais problemas: expansão das estradas, ferrovias, fábrica de fertilizantes, preços mínimos, estoques, seguro e crédito rural. Diante dos obstáculos fica difícil enxergar em perspectiva tudo o que já foi construído.

O crédito rural é uma conquista importante do agronegócio brasileiro. Nossos juros historicamente são altos, e a agricultura, uma atividade de rentabilidade diminuta. Se tivesse que pagar os juros do mercado, dificilmente teríamos auto-suficiência em alimentos e dificilmente conseguiríamos divisas externas com exportações. Desviar parte da poupança nacional e remunerá-la a taxas módicas é um custo que a sociedade decidiu arcar para evitar problemas maiores. Mesmo assim, o agricultor mal percebe que 10 ou 12% de juros anuais são muito menores que os 40 ou 50% que pagaria por aí, e reclama.

Voltando ao simpósio, um de seus palestrantes era um economista extremamente ortodoxo. Um de seus tradicionais alvos é a existência do crédito rural. Ele acha que os agricultores deveriam pagar a taxa de mercado, os 40%  ao ano. Mas lá na frente dos agricultores foi discreto, falou que o governo deveria fazer cortes porque gasta mal e acabar com o crédito direcionado. Um bom entendedor saberia que os tais gastos incluem preços mínimos e seguro rural, e o crédito direcionado principal é o rural. O tal economista atacava o governo propondo cortes, os quais afetariam diretamente a agricultura.

         Qual teria sido a reação da platéia? Indignados com as dificuldades que enfrenta o agronegócio e ansiosos por se opor ao governo de plantão, resolveram aplaudir seu algoz. Aplaudiram aquele que defende o fim do crédito rural. Aplaudiram aquele que quando era governo participou de um plano de estabilização que corrigiu a dívida com índice de inflação mais alto que os preços dos produtos agrícolas e gerou uma década de renegociações. Aplaudiram quem lhe atira pedras. É o poder da ideologia, aquela que cega para a realidade.       

domingo, 28 de agosto de 2011

Vestindo o boné



     O ministro da agricultura, Mendes Ribeiro, vestiu o boné do Via Campesina. Seria mais emblemático se fosse o do MST mesmo. Já se pode imaginar a reação de alguns dos líderes dos setores tradicionais do agronegócio. Deve ter sido a surpresa, a perplexidade e a reprovação dos conservadores. Como pôde o ministro que representa a chamada "grande agricultura" se juntar a tais desordeiros, pensaram eles. Afinal para boa parte do chamado "ruralismo" os sem-terra são o inimigo, são uma grande questão a ser "resolvida" como "problema de polícia", não como questão social.

Parece que o ministro está à frente de seu meio. Ele sabe que representa a agricultura e o governo brasileiro. Está consciente que o Brasil precisa superar a pobreza e a miséria. Sabe que para isso é preciso alimento acessível ao trabalhador. Daí a necessidade de agricultura competitiva em larga escala, desde lavouras mecanizadas de arroz e soja até produção de carne de suínos e aves em associação com agricultores familiares. Só com comida barata é que os ganhos salariais se traduzem em benefícios concretos. Os agricultores são aliados para o grande objetivo do país que está no artigo 3º da Constituição: "erradicar a pobreza".

Os ruralistas mais conservadores poderiam pensar: mas esses sem-terra não atrapalham o desenvolvimento da agropecuária? Afinal eles invadem terras. Mesmo sem entrar na discussão da legitimidade das ocupações, o fato é que elas vêm caindo. Alguns líderes rurais se preocupam demais com eventos que cada vez mais incomuns: no Brasil todo, são menos de 400 ocupações por ano. Aposto que houve mais roubo de tratores e de gado do que invasões. Calote de frigoríficos então, nem se fale. Mas esses conservadores estão ainda com os issues dos anos 80, se preocupam com algo que nem mais deveria estar na agenda!

Se o MST e outros movimentos sociais gostam de contestar a chamada agricultura empresarial, é porque esta é uma estratégia de desespero. Querem chamar a atenção. A reação dos representantes do agronegócio deveria ser mais propositiva, oferecer integração como fez a parmalat há alguns anos, propor auxílio, mostrar a face da responsabilidade social enquanto desmonta os mitos com comunicação social eficiente. Querer confrontar é se apequenar. Deveriam fazer como o ministro, ouvir e estender a mão ao diálogo. Aumenta a legitimidade. Fica o apelo: líderes do agronegócio vistam o boné! Ofereçam diálogo. Não compromete.      
     

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Escolhendo os vencedores?

     Uma linha de economistas afirma que fazer política industrial é escolher vencedores. Determinados setores e determinados grupos empresariais são beneficiados por meio das políticas públicas para o comércio exterior e para a produção, enquanto outros ficam para trás. A Coréia do Sul soube fazer suas escolhas e gerou grupos de porte para concorrer em diversos mercados. No fim, o benefício se distribui para toda a sociedade: desenvolvimento, empregos e impostos que geram serviços. O exemplo do agronegócio brasileiro vem da estratégia recente do BNDES que decidiu apoiar, por meio de crédito, grandes grupos nacionais produtores de carne a serem líderes mundiais deste setor. Ao invés de serem comprados, compraram empresas estrangeiras.

     No caso das políticas da produção fica claro, de antemão, quais os setores que podem ganhar ou perder com alterações nos rumos das atitudes do Estado. Desoneração e crédito direcionado têm impacto imediato sobre qualquer setor produtivo. Já no caso da política comercial - aquela que discute a abertura para exportação e importação - a coisa é mais complicada: quem perde sabe que vai perder, mas quem ganha não sabe que vai ganhar. Parece estranho, mas os setores que são competitivos, ou que estão em vias de se tornarem, não conseguem visualizar quais benefícios se espera.

      Quem analisa as mudanças do sistema de comércio mundial desde a Rodada Uruguai - que criou a OMC nos anos 90 - e seus desdobramentos no Brasil conclui que a agropecuária e os minérios brasileiros foram beneficiados pela liberalização comercial, enquanto a maior parte da indústria de transformação perdeu espaço. Seria portanto, óbvio, que naquela ocasião, o setor do agronegócio e o Ministério da Agricultura, lá nos idos dos anos 80, apoiassem posições brasileiras por mais abertura do comércio mundial.

       A realidade, porém, era diferente. Como mostra o estudo do acadêmico Rogério Farias, da UnB, publicado no livro O Brasil e o GATT (1973-1993) o ministério da agricultura do Brasil nos anos 80 era muito sensível a setores como trigo, pêssegos, leite que dependiam do fechamento do mercado ou subsídios para se manterem, enquanto que setores que se transformariam em vencedores no mercado mundial como açúcar, soja e carnes não pressionavam por abertura. Nos arquivos estudados, parece que representantes de tais setores nem imaginavam que suas exportações seriam multiplicadas e que haveria qualquer benefício. Estranho, mas o ministério da agricultura se posicionava contra a abertura.

     Hoje tudo isso são águas passadas. Entretanto, a lição que se pode extrair continua válida. Com mudanças nas políticas públicas os setores que tem algo a ganhar precisam ficar atentos para que seus interesses não sejam engolidos. Num momento de protecionismo crescente como o atual, os exportadores do agronegócio devem ficar atentos para que não sejam sacrificados. Para isso é vital conhecer bem os próprios interesses do setor, e isso, ao contrário do que parece, não é fácil. É preciso ser especialista no assunto.

     

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Quem orienta o produtor rural?




     O agricultor sabe como vencer desafios. Toda safra ele mobiliza recursos para plantar, mantem seu maquinário preparado, compra insumos, lida com as pragas, contrata funcionários, escapa das secas e geadas, negocia a venda da safra e paga o banco. Seria demais esperar que ele fosse o maior especialista em tecnologia agropecuária e conseguisse se inteirar de todas as inovações que lhe são úteis. Por isso, há décadas, além da pesquisa agropecuária, os governos estruturam sistemas de extensão e assistência técnica rural para digerir os avanços da ciência e entregar orientação agronômica para o homem do campo.
     
     No Brasil um marco no assunto foi a criação de uma empresa nacional para assistência e extensão rural, a EMBRATER, em 1974. Era a formuladora da política de extensão e coordenava o trabalho de institutos estaduais. À Embrapa cabia gerar conhecimento, à EMBRATER difundi-lo. Mas veio Collor, e com seu desmonte do estrutura de governo nos anos 90, a extinguiu. Não era reconhecida pela excelência, mas em seu lugar ficou um vazio e cada Estado teve que se virar sozinho. Por isso, quando se idealizou o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário), foi dada a ele a missão de elaborar a política nacional de assistência técnica e extensão rural, ademais de orientar e coordenar os serviços estaduais.

     Assim, com a promulgação da nova lei de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), em 2010, aparentemente o problema estaria bem encaminhado, com as estruturas básicas da extensão rural bem definidas. Afinal, junto com o Pronaf para financiar o pequeno produtor, a coordenação do MDA com as ematers estaduais e por meio de contratadas como prevê a nova lei, faria chegar a extensão rural casada com os recursos. No entanto, o que aparentava unanimidade, apresenta divergências: parlamentares ligados a agenda agropecuária e seguimentos da sociedade - como a associação dos técnicos da área - insistem na recriação da EMBRATER, e na prestação de serviço de extensão diretamente pelo governo federal.

     Há outros aspectos polêmicos no novo modelo, como a contratação de entidades executoras sem a necessidade de licitação. Isso para não falar na dificuldade que será medir a eficiência e eficácia do serviço prestado por terceiros, dificuldade, em geral, negligenciada por quem cria política pública em qualquer área. Indicadores são difíceis de serem levantados e impõem custos em sua apuração. Quem delega tem que fiscalizar. Talvez fosse interessante um projeto-piloto por meio de vouchers (vales) para que agricultores pudessem adquirir o serviço de quem mais lhe agradasse, para testar a viabilidade de um método com menor necessidade de acompanhamento, afinal a chave do sucesso de uma política de sucesso como o bolsa-família está em sua simplicidade. 

      Se para alguns parece que o debate da assistência técnica e extensão rural está resolvido, para outra parcela da sociedade não faltarão ajustes a serem propostos, novas alternativas a serem testadas e velhas fórmulas a serem resgatadas. Até este momento, por exemplo, não se incluiu a agricultura empresarial no debate. É um debate localizado, meio distante da opinião pública - que está centrada nos grandes centros urbanos - e discutido quase só por beneficiados e extensionistas. Porém, está longe de ser uma discussão monótona. É um debate que está voltando com força e promete esquentar. Vamos acompanhar de perto.